TEMPO DE VIVER

A relação familiar, que embora considere ser a pilastra que sustenta e recebe toda aplicação de axiomas e teorias, destaca-se como fundamental laboratório para o entendimento da vida, situando-se como ponto capital para a composição do integral livre pensamento. Imagine a presença num mesmo ciclo e espaço, de pessoas que compulsoriamente serão forçadas a conviver até que possam discernir por suas próprias idéias o caminho a trilhar, mas que manterão laços indissolúveis durante toda uma jornada.

Esperamos sempre que o ciclo se cumpra naturalmente e pela ordem natural o filho deve sobreviver ao pai, mas essa máxima pode ser cruel quando relativizada, estando sujeita a interferência nada sutil de fatos extremos que alteram as posições. Os cuidados, o legado de proteção para sempre tendem a ser seguidos pelos afins e isso torna mais dorida a separação, faz com que a impotência de manter as asas abertas para que o frio da noite não os assole, torne-se concreta e o descaminho segue seu curso. Trouxe teoricamente para meu convívio alguém a quem devo proteção e ao longo da vida resgatei outros, isso me torna responsável por suas trajetórias, flagelando-me ao perceber um erro de condução refletido em suas atitudes ou em suas opções, mas como reflexo e abrandamento, sei que o arbítrio é livre e as rédeas serão retomadas à medida que o tempo passa.

Algumas coisas eu acho que fiz certo, outras nem tanto. Eu conversei mais do que corrigi, mas apontei mais do que pintei com os dedos. Eu não me importei em saber menos, porque aprendi a me importar mais, mas não tirei os olhos do relógio sem perceber que o tempo passava. Eu procurei ficar menos sério e me divertir mais, Mas passei pouco tempo brincando. Eu reformei a auto-estima e deixei a reforma da casa pra depois, mas não quis perder tempo com pequenas bobagens. Eu não superestimei o trovão e admirei a chuva, mas não tive mais tempo de lhes mostrar as estrelas. Eu ri da queda, do copo derramado, da falta de jeito na bicicleta, mas em vez de ajudar a construir as casinhas eu mandei guardar os brinquedos. Enfim, os acertos foram muitos, mais o tempo, sempre foi cruel adversário. Acho que agora eu perderia mais tempo, sem me importar em ganhar com um grande negócio. Só quando eles crescem, percebemos o quanto gostaríamos que fossem crianças. Como saber onde procurá-los?... Antes eu os encontrava dentro do armário ou atrás da máquina de lavar. O mais velho eu nunca sei com quem está, se a faculdade de hoje substituiu a tia da escolhinha. Como saber que horas vai chegar, quando antes não podia assistir nem o filme depois da novela. O trabalho também já lhe faz sentir a presença do tempo, ou a falta dele. O menor parece que ficou adulto muito rápido, percebeu que ser criança é chato, mas brinca com os velhos brinquedos e gostaria de ter um novo de vez em quando. Já frita ovo e faz um “miojo”, já tem sua própria turma, seu estilo e individualidade, mas ainda se aconchega e adormece em nossa cama. Às vezes ainda nos encontramos na madrugada, quando o sono não me derruba ou quando desperto apenas para desdobrar-lhes o cobertor. As afinidades ainda são muitas e os laços de amor indissolúveis, mas os interesses que antes eram meus mudaram de lado. Hoje eu sou o carente de atenção... e eles cidadãos do mundo.

Anderson Du Valle
Enviado por Anderson Du Valle em 03/05/2011
Código do texto: T2946694
Classificação de conteúdo: seguro