VOU ABRIR UMA IGREJA

VOU ABRIR UMA IGREJA

Há no Brasil, considerando uma projeção não oficial, mais de 200 mil igrejas evangélicas. Elas são o destino semanal de mais de 40 milhões de fieis das alas tradicional, pentecostal e neopentecostal. Não satisfeito com o volume rechonchudo de igrejas Brasil afora, estou pensando na hipótese de abrir mais uma. A parte mais difícil da minha empreitada é conseguir um nome livre e desimpedido para ornamentar a placa da minha religião. Há um sem fim de nomes, dos mais criativos e sugestivos aos mais toscos e nonsenses. Confesso que a minha criatividade ainda não chegou a patamares tão evoluídos.

Em uma consulta pela internet vi e maravilhei-me com o milagre da multiplicação das igrejas e seus nomes folclóricos. Encantei-me com a Igreja Barco da Salvação. Imagino que se essa igreja fosse da época de Moisés, o grande legislador hebreu nem precisaria fazer a cirurgia no Mar Vermelho: bastaria colocar a galera hebreia no barco e vazar do Egito rumo à terra que mana leite e mel. Há a Igreja Pentecostal do Pastor Sassá, uma das poucas que não carecem de pesquisa para saber quem é o manda-chuva. A Igreja Caverna do Adulão desafia a minha humana capacidade de compreensão. Deve ter sido criada para combater a Caverna do Dragão. Não consigo conceber uma explicação mais lógica.

A criatividade dos pastores, missionários, apóstolos, bispos e afins parece não ter fim. A Igreja Evangélica Pentecostal Cuspe de Cristo é uma das minhas preferidas pela originalidade. Mas como concorrer com a Igreja Assembleia de Deus Pavio que Fumega? Ou a Igreja Evangélica Abominação à Vida Torta? Se houvesse um concurso para ungir a igreja que tem o nome mais estranho os jurados teriam que recorrer à inspiração divina para não cometer injustiça.

A proliferação das denominações acontece, segundo os pastores, por estratégia de Deus. Funciona assim: Ele aparece em sonho, revelação ou visão para algum fiel, sugerindo-lhe que abra uma igreja. Normalmente esse fiel ocupa um cargo na igreja, mas tem alguma discordância estatutária, ideológica, espiritual ou, simplesmente considera que recebeu uma convocação divina para liderar um rebanho. O novo templo é aberto em um cinema abandonado, mercearia falida ou galpão desocupado. Mas a época de vacas magras passa num piscar de olhos e logo a nova denominação está grande e pronta para avançar sobre novos terrenos.

Para conseguir realizar meu sonho de abrir uma igreja só preciso fazer uma ata de abertura, especificando as finalidades e os membros designados, tudo devidamente registrado em cartório. Depois registro o CNPJ e a inscrição municipal. Em suma, vou gastar pouco mais de R$ 200,00, esperar dois dias para ter legalizada a minha igreja. Uma vez resolvida essa pendência secular (claro, com o nome ungido já definido), passarei à tarefa de encontrar um título legal para mim. Ser simplesmente pastor já ficou muito cafona e ultrapassado. O líder moderno não pode ser menos que um apóstolo ou um missionário. Com sou antenado às novidades, serei guiado a um dos dois cacifes.

O problema é que desconfio da minha vocação para o sacerdócio. Talvez eu terceirize os trabalhos eclesiásticos e dedique-me à parte burocrática e financeira da igreja. Como também não sou nenhum José do Egito quando o assunto é administração, posso desistir da ideia e apenas integrar os quadros de alguma dessas igrejas. Estou na dúvida entre a Igreja Automotiva do Fogo Sagrado e a Igreja Comunidade do Coração Reciclado.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 04/05/2011
Reeditado em 27/03/2012
Código do texto: T2949324