Não Tenho Mais Tempo ...
 
Avaliando o passar de meus anos, de repente, percebo que terei muito menos tempo para viver do que já vivi até agora. O passado, intangível e irremediável, tornou-se apenas um borrão de imagens antigas e meio apagadas. As marcas de vida estão gravadas em meu rosto.
Agora, olhando os sulcos nele formados, compreendo, que terei muito menos futuro do que anunciou a minha agitada juventude, sempre dando sinais enganosos de longevidade.
Ouvindo uma música no rádio percebo, em sua letra, palavras que descrevem a trajetória de alguém que lamenta não ter realizado coisas simples, por ter preferido se embrenhar num mundo engomado, padronizado, encontrado nas prateleiras de um gigantesco supermercado chamado sociedade.
Observando meus passos, entendo que vivi e me envolvi, intensamente, nesse mundo controverso e agitado. Agora, o tempo tornou-se mercadoria rara e com prazo de validade definido, como diria minha amada esposa.
Numa íntima decisão, resolvo que não vou mais lidar com mediocridades. Passo a abominar os invejosos que me exasperam e que acabam por destruir, com soberba e arrogância, seus próprios projetos. Não quero mais perder tempo com conversas compridas e infindas, para discutir assuntos inúteis sobre questões que, tenho absoluta certeza, jamais serão resolvidas.
Cansei de reunir-me com a vaidade e não com as pessoas, e ter que preocupar-me em escolher palavras e frases politicamente corretas prá não ter que expor meus mais íntimos pensamentos a respeito de tantas questões. Tropecei com tanta gente despreparada que me quis fazer entender daquilo que elas mesmas não compreendiam !!!
E, ao contrário do que vi e ouvi, hoje penso de como é bom tagarelar sem usar de formas precisas, principalmente se quem nos cercam são só e apenas amigos.
Meu fiel amigo Meneghetti é um desses raríssimos reféns da alegria. Com suas infindáveis e incontáveis estórias, traz sempre consigo a bula da camaradagem e do bom humor eterno.
Hoje não consigo mais conviver com a falácia de pessoas que, apesar da idade avançada, são absurdamente imaturas. Não quero mais tomar cafezinho com conhecidos desafetos, apenas para manter as aparências ou tentar conciliar os avessos impossíveis de entender.
Não tenho mais tempo prá isso.
Percebi que preciso do conteúdo da fruta e não da casca que a envolve e protege. Meu falecido pai dizia que a gente não devia plantar árvores que não dessem frutos. Dizia que qualquer árvore poderia trazer sombra mas, se não desse frutos, não tinha a principal serventia a que se propunha. Na vida real é igualzinho. Ele sabia das coisas.
Não quero mais saber das cascas, meu tempo é pequeno para decifrá-las. Preciso apenas sorver o que me resta do líquido do fruto da árvore da vida ... mas sem máscaras, capas e espadas.
Quero descobrir novos endereços, me infiltrar e viver nos lugares onde se agrupam seres humanos de verdade. Quero transformar tudo o que tenho em moedas e distribui-las, sem preocupação, entre os carentes e pedintes da cidade, acreditando que por trás de cada um existe uma real necessidade. Quero rir e viver cada possível sucesso ou insucesso que ainda me aguardam, esquecendo sempre de todo tipo de cartilha que me possa exigir precisão.
Quero, talvez, de alguma maneira, seguir a letra da música que ainda toca, insistentemente, no rádio, com versos instigantes mas, agora muito mais claros prá mim : “ ... devia ter arriscado mais e até errado mais, ter feito o que eu queria fazer ... “.
 
Germano Ribeiro
Enviado por Germano Ribeiro em 13/05/2011
Reeditado em 24/08/2011
Código do texto: T2967105