Um ícone inibidor

Apolíneo, um atleta, inteligente, um bom cargo, um genro sonhado por pretensas sogras; belíssima, escultural, fiel, apaixonada, uma diva, helena, Afrodite:-amantes, este é o modelo a ser seguido.

Formavam o casal perfeito, seriam a pedra angular de uma raça a competir com aquela sonhada por Hitler, iniciadores de uma geração a ser contemplada.

Um pensador, Thomas Hobbes, afirmou um dia que o homem nasce mau e ambicioso, e confirmando a teoria, o herói da raça pura conheceu uma milionária e a ambição se pôs a latejar em sua cabeça; abandonou todos seus planos, sua missão de agente irradiador e abandonou sua amada, levado pelos sonhos de casas, carros e viagens.

O cifrão não lhe permitiu viagens, pois ela era apegada a suas raízes; acentuou suas alergias, pois ela era apegada a gatos e não lhe deu filhos,ela era infértil.

Um marasmo, uma masmorra, uma repetição de dias ao lado de uma mulher ciumenta, que não gostava de banhos e que nunca se aproveitava daquilo que o dinheiro poderia lhe proporcionar

Arrependimento não faz o tempo voltar atrás, ela viveu com ele por mais de cinqüenta anos e, quando morreu, ele já não era capaz, nem tinha forças para gozar do legado material que ela deixou.

O único luxo que ele viveu foi o velório que providenciou e do qual eu estive presente, afinal, laços de parentesco me obrigaram a comparecer, e lá eu estava.

Esquife de mogno, alças de puro bronze, até o cardápio no morgue era irrepreensível, bolachas e pães com frios atiçavam a gula de quem comparecia para “reverenciar” a morta.

Eu a olhei, fria e impassível e vi quanto era feia: nariz adunco, lábios que eu tenho certeza nunca foram beijados, barriga proeminente, ainda que magra, só não notei a palidez, pois ela sempre foi pálida, pele embaciada. Ninguém poderia afirmar que a morte lhe dera um suavidade bonita, era certo que o crucifixo dependurado no ambiente fiscalizava e inibia grandes mentiras, servia de ícone inibidor.

De positivo, se podemos ressaltar algo de positivo em velórios, foi a ausência de um clima mórbido, de tristeza, ninguém muito triste, particularmente o viúvo, e pude até ouvir risos de crianças, supus que pudessem ser dos filhos da antiga noiva, como que num grito de retaliação.

O momento era de reflexão e eu me pus a refletir: uma pessoa destituída de todos os atributos ainda poderia ser castigada pela infertilidade?

-Eureka, eureka, eureka, quase gritei , sem tirar a roupa

Ordenei meu raciocínio, para não ferir o “de cujus”, ou servir de oferenda, e dei meu veredicto, apoiado na feiúra dela:

-Ela não era estéril, a ausência da prole ficava assim justificada: ele nunca a comeu em vida...fim.

Roberto Chaim
Enviado por Roberto Chaim em 14/05/2011
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