Cardápio da vida.

-E se a vida for como um cardápio?

A pergunta me pegou de surpresa. Levantei os olhos do menu e me deparei com minha amiga em estado reflexivo.

-Ora, Daiana, deixe de filosofar e escolha logo o seu prato.

Nós duas havíamos saído para jantar e estávamos na varanda do Restaurante Sabor da Terra, de onde se pode ver um cantinho de céu e o Farol.

-Rebeca, pense nas conseqüências do que estou dizendo. Se a vida for como um cardápio, nós talvez estejamos escolhendo errado. No lugar da buchada de bode em que nossas vidas se transformaram, poderíamos nos deliciar com escargots. Experimentar sabores novos, mais sofisticados...

-Por que a vida seria como um cardápio, Daiana? Tenha dó.

-E por que não seria? Ninguém sabe de fato o que é a vida, portanto qualquer acepção é válida, até provarem o contrário.

-Benhê, acorda. Ninguém vai aparecer para servir o seu cardápio imaginário. Na vida, a gente tem que ir buscar. A vida é mais parecida com um restaurante a quilo, self-service, entende?

-Boa imagem. Concordo com o restaurante a quilo. É assim para quase todo mundo. Mas quando evoluímos um pouco, chega a hora em que podemos nos servir a la carte. Rebeca, nós estamos nesse nível. Podemos fazer opções mais ousadas.

-Daiana, se você está querendo aventuras, variar o arroz com feijão, seja claro. Não me venha com essa conversa de cardápio existencial. Além disso, se a nossa vida virou uma buchada de bode, com quem você pensa experimentar essa coisa gosmenta, o tal escargot?

-Querida, não reduza minhas idéias a uma trivial variação gastronômica. Minha hipótese, caso correta, tem implicações metafísicas. Se a vida for como um cardápio, do outro lado teria que existir o Grand Chef, o criador do menu.

-Daiana, fofa, agora você viajou na maionese. É o cúmulo querer reconstruir o imaginário religioso baseado no funcionamento de um restaurante. Só falta você dizer que nesse seu céu, os anjos são os garçons!

Nesse momento, dois chopes desceram sobre a mesa. Flutuaram entre as mãos alvas, quase diáfanas, de um dos velhos garçons do Restaurante Sabor da Terra. Eu e Daiana trocamos olhares de espanto e antes que pudéssemos dizer que ainda não havíamos pedido nada, o garçom falou com voz grave:

-Cortesia da casa. Já olharam o cardápio?

Savannah Lopes
Enviado por Savannah Lopes em 17/05/2011
Reeditado em 20/05/2011
Código do texto: T2975752