O cheiro do amor

A organização espacial das residências do meu bairro, conta as histórias das relações entre os familiares. É muito interessante analisar as famílias nesta perspectiva!

Vou descrever como se organizavam as casas dos meus familiares...

Imaginem a extensão de sete a oito lotes. No meio desses lotes, na parte inferior foi construída uma casa onde meus tios maternos cresceram. Quando meus tios chegaram à idade adulta, se casaram e construíram suas casas nesses lotes.

Olhando da rua era tudo muito comum... Casas vizinhas com muros dividindo os limites de cada propriedade, no entanto, os muros não delimitavam todo espaço do terreno. Menos da metade! Dessa forma, a casa dos meus tios e a minha pertenciam a uma enorme chácara. Os fundos da minha casa não eram meus... Eram de todos os meus familiares e meus avós eram o centro dessa grande família.

Cresci entre pés de goiaba, parreira, manga, acerola e nove primos. Uma confusão gostosa e engraçada! Não era muito diferente do filme “Casamento Grego”.

Imaginando a organização das casas dos meus familiares, pode-se imaginar, também, que nossas relações eram muito estreitas. Semelhantes aos muros dos lotes. Cada um tinha seu espaço, mas rapidamente esses espaços se misturavam.

Quando era bem criança, no meu primeiro e segundo ano de vida, morava com meus avós e meus pais. Minha mãe conta que chamava minha avó de mãe. Na verdade, as duas eram chamadas de mãe... Na minha cabeça era tudo igual!

A relação com minha avó também era muito próxima, como é possível notar.

Como toda criança, era inquieta e curiosa e logo me ocupei sobre as questões que envolviam a morte. Tinha dezenas de teoria que rapidamente se dissipavam, pois mais e mais dúvidas surgiam.

Após a morte do meu avô, essas dúvidas viraram sofrimento e a minha avó disse: - “A única certeza é o amor que fica no coração... É o amor que pulsa e todo amor tem cheiro!”

A resposta da minha avó aquietou meu coração!

Depois de terem me explicado sobre o céu e que as pessoas não ficam tão longe como, as vezes, pensamos, outra questão tirava meu sossego: - Como vou encontrar meu avô no céu? Ora, se todo mundo que morre vai para lá, o céu está lotado! Esse era meu raciocínio.

Logo que a dúvida surgiu, saí afoita em busca de respostas... Então, minha avó explicou que o amor tem um cheiro diferente. Parece cheiro de perfume e quanto maior é a intensidade do amor, mas forte sentimos seu aroma.

- É dessa forma que encontraremos seu avô! Não se preocupe! Cada pessoa tem um perfume diferente. – Falava vovó com a voz tranquila.

Ela pediu que eu fechasse os olhos e aproximou do meu nariz duas plantas com aromas distintos. Rapidamente abri os olhos e respondi sem vacilar: - Hortelã e dama da noite! - Era impossível errar! – Sorrindo minha avó concluiu: - Assim como o cheiro da dama da noite é diferente do cheiro da hortelã, seu avô terá um cheiro que será só dele e de ninguém mais, porque a única certeza é o amor que fica no coração e o amor também tem cheiro!

Meu coração ficou mais calmo e não tive dúvidas de como iria encontrar o vovô.

Dez anos depois, minha avó iria partir... Sabíamos que seu corpo estava adoecido e morria.

Pensei que havia me preparado para dizer adeus, mas o adeus é sempre inesperado... O coração se assusta com o 'nunca mais'.

Estávamos vivendo uma época complicada. Vovó ficava mais no hospital do que em casa.

Um dia achei melhor ir para o hospital, assim minhas tias poderiam descansar um pouco, pois estavam exaustas.

Mesmo sob protestos, não arredei nenhum centímetro da cabeceira da cama onde minha avó estava deitada. Assistindo a minha teimosia, minhas tias acharam melhor fazer o que eu sugeria.

Vovó estava bem fraquinha... Quase não falava, mas estava lúcida. Vez ou outra dizia uma ou duas palavras. E eu com a minha mania de tagarelar: falava sobre o tempo, sobre o capítulo da novela, sobre o cachorro, os treinos de vôlei, sobre minha indecisão entre os cursos de medicina e psicologia... E ela sempre me respondia com o olhar.

No meio da minha prosa, senti suas mãos apertando meu braço e não tive dúvidas que aquele gesto significava adeus.

Deus sabe lá quantas vezes apertei a campainha que dava no local de trabalho dos médicos e enfermeiras. Eu desesperada e minha avó indo embora... Uma parada cardiorrespiratória.

Lembro que saí arrastada por uma enfermeira e já na porta olhei minha avó que continuava olhando pra mim. Essa foi a última vez que a vi lúcida.

Ela faleceu dois dias depois. Teve alguns momentos de lucidez na presença dos meus tios e em um desses momentos pediu que eu lembrasse: -“A única certeza é o amor que fica no coração... É o amor que pulsa”. - E o amor tem cheiro! - Completo.

Minha avó era mesmo sabida!

Tenho saudade dela, mas não é uma saudade triste... Não é saudade derivada de nunca mais... É saudade que acredita no até logo...

Não tenho dúvidas que um dia vou encontrá-la! É só seguir o cheiro das rosas e do orvalho fresco.

Danielle Faria
Enviado por Danielle Faria em 20/05/2011
Código do texto: T2981261
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