CRÔNICA #075: A VIDA E A ARTE

Numa tapeçaria 55 cm X 70 cm, 246.400 pontos compõem uma bela paisagem de um trecho da cordilheira dos Alpes Suíços. Apenas dois pontos mal passados, aos olhos de um crítico ferino, quiseram invalidar o trabalho árduo e bem caprichado de um dedicado artesão. Um desses pontos, perfeitamente diluído entre a beleza do local em que se encontrava, daria para passar com louvor. Eu acho que até deu graça ao visual (ao meu ver teria sido proposital). Já o outro, estava um pouquinho torto, mas dava tranquilamente para passar. Era apenas um mísero detalhe de 0,008% do total que simplesmente nem daria para notar, não fosse o instinto critico exacerbado daquele que achava que entendia de arte. Faria ele melhor? Tenho cá minhas dúvidas.

No quotidiano, encontramos esses tipos de críticos de plantão. Provavelmente, ele esteja bem próximo a você e certamente já feriu o seu ego de alguma forma com os seus comentários nada construtivos.

Participei de um evento no qual fui responsável pelos trabalhos de secretaria. Ali receberia todas as fichas de inscrição e informações necessárias para a confecção de um livro que ilustraria todo aquele certame, devendo, em tempo recorde, entregá-lo pronto, sem erros, no terceiro e último dia do evento. Aceitei o desafio com a condição de me passarem todos os documentos até, no mínimo uma semana de antecedência, para que eu pudesse cumprir com todas as exigências. Infelizmente, recebi 90% dos dados a processar há menos de 72 horas para o início do encontro, e até o segundo dia ainda recebia fichas de inscrição.

Fiquei literalmente 50 horas em claro trabalhando, revisando e revisando para que entregasse o trabalho impecavelmente sem erros. Entrei num desgaste físico e emocional nunca antes experimentado. Enfim, no momento aprazado, entreguei o material de 180 páginas, contendo em torno 223.380 palavras, muito bem impresso e bem encadernado. Uma obra de arte. O meu coordenador pegou um exemplar, olhou, olhou e olhou até o final. Fazia gestos de aparente aprovação. Por fim, encontrando o que queria, disse apenas isto, apontando com o dedo:

- “Mas tem um erro bem aqui”.

- “Só isso que tem a me dizer?” Retruquei. Ao que ele me replicou:

- “É! Mas sua obrigação era fazer tudo 100% correto”.

Tive que ter um socorro divino para não esmurrar o rosto do infeliz. Primeiro porque não era obrigação, coisa nenhuma, visto que era um serviço voluntário, diga-se de passagem feito com muito amor e dedicação. Minha esposa, puxou-me pelo braço e sussurrou-me:

“Calma, Bosco! Calma! Deixa isso pra lá”.

Atendi ao seu pedido, mas aquele sujeito me tirou do sério (raridade das raridades), pois o meu único erro que ele encontrou foi justamente provocado pelo fato de ele mesmo ter-me passado os dados fora de tempo.

Ainda bem que domínio próprio é parte do dom espiritual, por isso pude me conter. Também estava cônscio do trabalho que fiz, tendo sido ele, não para homens, mas para o Senhor. E ELE sabe muito bem o quanto me esforcei pra LHE dar o meu melhor.

Alelos Esmeraldinus
Enviado por Alelos Esmeraldinus em 22/05/2011
Reeditado em 22/05/2011
Código do texto: T2985436
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.