A Vida como ela É

Nascemos por que o vento sopra ou surgimos para soprar o vento? Nascemos! Nascer é desabrochar. É romper limites. É o encontro consigo mesmo em outras circunstâncias. Nascer é um processo multiforme, inacabado... Nasce-se por segundo, a cada hora, a cada decisão, todo dia, de outono a verão. Nasce-se a cada primavera, com o refolgar das folhas, com alegria dos pássaros, com a luz do sol ou a sua própria luz.

Quando criança, somos cercados de um cuidado intenso a todo momento. É o modo reticente de viver o preâmbulo da verdadeira vida, até que nos sejam abertas as portas do crescimento ou portas maiores, até que possamos, com segurança, dar aquele primeiro passo inicial e subir, e descer o primeiro degrau da vida. Se tudo é uma grande transmutação, maior vai se tornando até nascermos para a adolescência. Ah, a adolescência! Quem foi tão míope que não percebeu que ela não tinha tamanho? Quem foi tão mudo que não ousou romper o seu silêncio? Quem foi tão verdadeiro que não lhe maculou com uma mentira, sequer?

E, quando vem a adolescência, brigamos com o Mundo. Primeiro, brigamos com o nosso Eu; Depois, com o Eu deles: dos adultos. Fazemos tudo para desbancar a sua graduação natural de seres já bem vividos. Achamos que sabemos muito. Das regras, eliminamos logo as vírgulas e buscamos, ansiosamente, as interrogações. Ah, as interrogações!... "Interrogações?" Sim, muitas e muitas... E como elas lembram o cabo de um guarda-chuva virado para baixo! Não é mesmo? E é debaixo delas que nos molhamos mais e mais... Parecem com aquelas chuvas de verão, tamborilando no telhado, o tempo todo, e nos fazendo sentir mais frio na espinha dorsal.

Nas interrogações o vento encontra espaço propício para se instalar feito ciclone. Daí, queremos dar rumo à vida sem obedecer a regência da senhora Natureza: a energia cósmica. E, já andando com as próprias pernas, fazemos o nosso Mundo. E seguimos. Nas zonas limítrofes da existência, sempre encontramos portas a serem abertas e outras que se fecham aos nossos olhos. E, como se fôssemos cabras sem chocalhos ou ovelhas sem pastores, vamos adentrando sem medo, sem pedir licença, sem perguntar se é ali que queremos nos instalar, ou não. Mas experimentar é preciso. E assim, rompemos...

Logo, percebemos que, independente de onde estamos, existe sempre alguém, próximo ou distante, que nos dá o alimento. Seja ele de natureza fisiológica ou espiritual. Então, descobrimos que estamos mudando. E mudamos! Crescemos! O crescimento é palpável e, também, doloroso. Viramos adultos. É aí que notamos que o vento que sopra nem sempre sopra na direção que queremos.

E é assim que, mais tarde, numa tarde qualquer, descobrimos que nunca é tarde, mas também não é cedo. É apenas descoberta! É. Mesmo na escuridão da noite ou no dia ensolarado, É... No sono profundo, É. Então, colocamos a mão abaixo do queixo e nos dobramos para esta letrinha, que com um traço sobre si, traça a nossa vida. É. É letra? É palavra? É verbo? É. É algo mais... E nos perguntamos: “É mesmo?" É... E parece que isso ecoa lá detrás da linha do horizonte. E a linha desaparece para o horizonte se abrir. De repente, parece que a vida nos laça com a tal linha e nos dá um nó. "É mesmo?" É. É assim mesmo... O tal nó é crescente sem dimensão: que ri da geometria, que desobedece as Línguas e desafia as demais ciências.

Pois É. O nó da vida que faz pesar a nossa cabeça, ou melhor, a nossa rodilha invisível, tem o peso da nossa alma. É.

Vera Verá
Enviado por Vera Verá em 29/05/2011
Reeditado em 30/05/2011
Código do texto: T3001971
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