Minha alma gêmea lê romances pornográficos

Livros catados pelos sebos da vida sempre reservam alguma surpresa. Além de comprar obras de valor inestimável por cinco ou dez pilas, levamos - sem precisar pagar a mais por isso - uma que outra maravilha rabiscada pelos donos anteriores.

Já há algum tempo, arrematei O Muro, de Jean Paul Sartre, em um sebo de São Leopoldo. Na folha de rosto, a pequena Sandra – criança, como a letra denuncia - devia estar brincando de completar títulos de livro. Escreveu na folha de rosto: “do meu jardim”. Na última página, achando incompletos os dados sobre o autor, Sandra acrescenta lindamente ao lado do ano de 1980(!): “omde acomteseu a guerra mundial”. Fico imaginando o que a pequena Sandra, alfabetizada a obras existencialistas, poderia estar fazendo hoje em dia.

Os leitores gostam de enriquecer os livros legando suas opiniões, impressões, devaneios para a posteridade. No meu Bom dia para os defuntos, de Manuel Scorza, um leitor sublinhou a frase “Deus dava de ombros desdenhoso”, e arriscou uma piada na margem: “dar de ombros divino”. Socializando, na última página este blogueiro expõe tudo aquilo que pensou sobre o livro: “o capítulo 9 é sensacional”. Um dia alguém há de concordar ou discordar.

Finalmente, o melhor exemplo disso tudo encontrei não em um sebo, mas num exemplar retirado na biblioteca da faculdade. Era A Casa dos Budas Ditosos, pornografia disfarçada do baiano João Ubaldo Ribeiro. Lá pelas tantas do romance, ao lado de uma passagem realmente engraçada, a leitora anota assim: “se você morreu de rir com esse parágrafo, é minha alma gêmea”. E assina embaixo um nome que já esqueci.

Como eu havia morrido de rir com aquele parágrafo, descobri não apenas que almas gêmeas existem, mas também que eu tinha a minha. Não é lindo isso? Quantas risadas estamos deixando de dar juntos, minha alma gêmea e eu? Foi pelo benefício da dúvida que preferi não responder.

Andrei Andrade
Enviado por Andrei Andrade em 30/05/2011
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