Pequenasgrandes coisas

Domingo é dia de lembrar delas, das pequenasgrandes coisas. Assim, em um só parágrafo. Tipo, acordar refeito. A água quente no banho ao som prá desopilar. O café em seguida e o xingo no jornal pela “deputaiada” que só apronta e ainda quer mais. Ver o sol clareando a rua. A velhinha varrendo a calçada. O marido trazendo pão. A amiga e o cachorro passando-me o número do celular “porque faz muitos anos que a gente não se encontra e precisamos atualizar nossas cervejas”. O amigo que escapou do acidente de avião dizendo-se iluminado. Ir ao aniversário e não esperar o bolo porque dar “bolo” é coisa feia. Fazer aquela comunicação e perceber o fogo triscando a alma. A palavra “sim”. A ninharia deixada na lixeira da memória. A alcoviteira solenemente ignorada. A pequenez compreendida e perdoada. Refazer a lista de telefones na lista do celular. Ser compreendido. A expressão “Obrigado por você existir!” A palavra “enlevo”. A boca de baton que “não é porque é gross com sabor de hortelã”. Os lábios como dádivas e gratuidade. A conchinha. Cama desarrumada. Tudo conspirando pelo antes voraz. O durante paradisíaco de nunca mais acabar. O depois em sono de pedra. A palavra “bis”. Os lábios na testa a um efeito geladoquente. Carta manuscrita. Cartão virtual. Correspondência anunciando grana. Uma aula compreendida. A tarefa concluída. O livro degustado. Música levando ao vôo. Água para imergir o corpo. Dor sincera rasgando o peito de real querer. Ser o que se é. Amizades sinceras. Café Regina em Campinas. Pamanha à Moda em Goiânia. As mulheres goianas. Mesmo vinho em taças diferentes. Bocas duplas num só sabor. O novo projeto. Árvore plantada. Filha crescendo. Livro próprio dado à luz. A reconstrução de si. O “Obrigado por dizer obrigado”. O “até logo” querendo ficar. Aquele “não vá ainda”. “Com licença”. “Gentileza”. “Por favor”. A exclusividade. Cacos particulares se reencaixando. Novo horizonte que vem a você. A deputada covarde estendendo a mão e você ignorando, “nem aí”. Saudade de pessoas imprescindíveis. Amizade de vinte anos atrás que se reestabelece. O perdão da amiga. Loucura do “que será que, que será, que me bole por dentro, me faz delirar” ou qualquer música do Milton Nascimento. A voz de Seu Jorge. A lucidez de Raul Seixas. Comida à fome. Água na sede. Cama ao sono. Consciência em paz. Outra vez o lençol dos justos e a certeza de que se alcançou o reinado de si mesmo. Nada a justiçar. Sonho de experimentar... Não é espantoso que a vida seja feita dessas pequenasgrandes coisas?