foto  do  autor:Colégio  São  Vicente  de  Paulo  Irati  PR
 


DE VOLTA AO FAROL AMARELO

Fevereiro/2005

Já se foram mais de 35 anos dêsde o dia em que deixei você.
Agora,o retorno. E, tal como na canção,"eu parei em frente ao portão..." A busca por um histórico escolar trouxe-me de volta pro teu aconchego.
A presença silenciosa da saudade me fez companhia e juntos subimos lentamente tuas escadas.
"Tudo estava igual como era antes,quase nada se modificou,acho que só eu mesmo mudei,e...Voltei." As camélias que te circundam guardam ainda o mesmo vigor e o mesmo brilho das folhas,mas...Não cresceram tanto.
A fileira de janelas espia agora uma cidade que ,embora tenha evoluído, reserva-se à rebeldia de preservar em meio ao progresso alguns pequenos detalhes de outros tempos.
As pedras da 24 de maio, com brilho polido de pneus ,vão abrindo caminho entre os antigos sobrados proximos de teu portão.Aquêles mesmos sobrados,fiéis depositários das esperanças,dos sonhos e euforias nos finais de teus turnos.Dos risos ,flertes e até do engomado solene das roupas e o repicar da fanfarra rumo à avenida principal nas paradas da semana da Pátria.Percebo que tais lembranças continuam bem guardadas naquelas varandas serenas,no silêncio de janelas acortinadas.
"Fui abrindo a porta devagar,mas deixei a luz entrar primeiro..." Tuas paredes estão ungidas de gratas recordações.Não lembro-me de ter ouvido o teu carrilhão?!...Ah! Êsse carrilhão...A sonoridade cronometrando o compasso nervoso da espera dos resultados.As provas finais..."Aprovado ,ou não”.A expectativa provocando suores nas mãos.
E assim,como quem retorna à casa paterna,vou ganhando o seu interior.Da escadaria que levava à sineta (será que ela ainda existe?) filtrada pelo vitral uma tênue claridade derrama-se pelos degraus que descem do segundo ao primeiro piso.Por um instante a imagem sugere-me a fisionomia de antigos mestres (a maioria,hoje,em outra dimensão) vindo ao meu encontro.
Se a vida realmente acompanhasse a canção eu diria: "Eu voltei,agora pra ficar,por que aqui...Aqui é o meu lugar,eu voltei pras coisas que eu deixei...Eu voltei!..." Mas,não é assim...Um travo na garganta e ,fugindo da imagem , busco no corredor escuro,nas portas altas que se encaram,a que fôra da última sala que frequentei.
A cabeça rodopia e então a noite cai sobre a Irati dos anos 70.
É morna...E como bem lembra o escritor Julio Bronislawski ,guarda o cheiro dos jasmins da 24 de maio.Um trem apita .Nas barraquinhas da Matriz de Nossa Senhora da Luz,um vinil do Roberto fala de amor...Vasculha a cidade,invade aquelas salas imensas e rouba a cena na aula do professor Ernani.Na torre da igreja ,”A palavra Adeus”. Canta o rei: "Vi a luz do entardecer aos poucos se apagar pra mim,não...não sabia se você ainda estava junto à mim..."Isso num tempo em que "enamorava-se" e não simplesmente "ficava-se" punha a sala inteira a sonhar entradas e saídas de cinema,festinhas de sábados ,saraus no Polonês,encontros enluarados...Ou qualquer outra coisa que não os gráficos e estatísticas do abnegado professor.
Aos poucos o devaneio se vai evanescendo. É hora de voltar,de encarar o cotidiano.Conforta-me,entretanto, a certeza em perceber parte de meus singelos arquivos de vida tão bem guardados entre as paredes dêste farol amarelo,que sempre indicou direções,norteou caminhos e soube reter um pedaçinho de cada um de seus filhos pródigos .Êstes,assim como eu, acabam sendo recebidos de braços abertos quando em retornos à esta segunda casa paterna.


“Esta crônica é uma singela homenagem à turma,da qual fiz parte,que concluiu o antigo “Curso Técnico de Contabilidade” no ano de 1970”