Um Pouco de Mim

Um Pouco de Mim

Jorge Linhaça

Hoje ao despertar acometeu-me a nítida sensação de que deveria escrever sobre minha trajetória de bênçãos ao longo destes quase 50 anos de vida.

Pode parecer estranho ou apenas seja uma necessidade de uma catarse para aliviar as minhas angústias e inquietações.

Como meu futuro ao bom Deus pertence, e meu presente me assombra no dia a dia, muitas vezes sufocando minh'alma que muitas vezes se contradiz, imersa que fica em fragmentos de minha história de vida de que, provavelmente, jamais saberei, resta-me juntar as poucas peças desse meu quebra-cabeças chamado vida.

Nasci em um hospital para mães "solteiras" na capital de São Paulo e que leva o nome de minha querida Sampa.

Como meu pai biológico, assim reza a lenda, era um homem casado e de algumas posses, e eu um filho bastardo, como outros que minha mãe biológica haveria tido antes de mim , tive o mesmo destino de meus desconhecidos irmãos.

Coube às freiras que dirigiam tal hospital encontrar , através da intermediação de uma família negra que provavelmente trabalhava ou com minha mãe ou com meu pai por adoção que por algum motivo que desconheço, não podiam ter filhos, a minha "adoção à brasileira" , ou seja entregaram-me a eles e fui registrado como se nascido deles eu fosse, em um parto feito em casa.

Jamais soube desse ocorrido até a morte de minha mãe de coração que aconteceu 6 anos atrás.

Mas, afinal, onde está a tal benção? Fui eu entregue a uma família abastada?

Não...pelo contrário, meus pais jamais tiveram posses terrenas , sempre lutaram com muita dificuldade para sobreviver de maneira digna.

A benção é que fui criado com amor e sempre incitado a desenvolver meus parcos talentos. Desde a mais tenra idade meus pais se importaram em incentivar-me a ler, sempre buscaram dar-me conhecimento dentro de suas poucas posses colecionando enciclopédias em fascículos que antigamente eram vendidas em bascas de jornais.

Afortunadamente sempre fui muito curioso e ávido por conhecimento sobre os mais variados assuntos.

Jamais pisei em uma escola particular para aprender, sempre fui um aluno da rede pública, algumas vezes me destacando com boas notas.

Para um garoto de periferia, que vivia em ruas sem asfalto e cujo contato com o mundo, no mais das vezes restringia-se a algumas quadras em volta de minhas casas , sim minhas casas pois , morando de aluguel , volta e meia nos mudávamos, isso não é pouca coisa.

Fui abençoado com uma infância de interior , morando em plena capital até aproximadamente meus dez anos, enquanto morei em um bairro chamado Ermelino Matarazzo ( verdade que antes disso havia morado em uma "Vila Califórnia" ali para os lados do Tatuapé ) depois disso fui para minha amada Penha onde já havia asfalto e condições pouco melhores de vislumbrar outra faceta do meu mundo.

Lá descobri uma coisa chamada biblioteca e que poderia levar livros emprestados para ler em casa. Não pensem com isso que eu era um garoto que não gostava de traquinagens, mas, como filho único sempre tive aquela certa proteção familiar, às vezes talvez exagerada e, como era muito tímido ( ainda hoje essa timidez me acomete em alguns momentos ) encontrava nas letras as viagens que não podia fazer.

Monteiro Lobato, Alexandre Dumas, Emile Zola, Julio Verne e tantos outros, levaram-me a mundos e eras desconhecidas, reais ou imaginárias. Devorava cada livro no espaço de um ou dois dias e lá estava eu na biblioteca, para espanto das bibliotecárias, buscando outros volumes para ler.

Fui abençoado com o desejo do conhecimento, da inquietação de por à prova tudo que aprendia ou compreendia. Claro que isso trouxe-me alguns problemas na escola, pois achava tedioso estar ali aprendendo coisas que para mim não tinham a menor importância ou praticidade.

Em 1978 tive minha busca pessoal pela deidade, após estudar sobre a reforma religiosa e a tal contra-reforma interessei-me pela bíblia e quanto mais a lia, mais perguntas me vinham à mente.

Por influência de um colega de escola fiz, tempos antes um curso por correspondência da Igreja adventista, mas ficou por isso mesmo.

Fiz amizades na biblioteca, participei de campeonatos de damas, xadrez e dominó, além de iniciar ali meus primeiros rabiscos poéticos em um concurso inter-bibliotecas no qual acabei em segundo lugar.

Nesse período já havia recém abraçado o mormonismo ( A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias ) onde fui abençoado com um maior entendimento das escrituras e do plano que o Pai Celestial tem para seus filhos nesta esfera mortal.

Tive a honra e o privilégio de servir como missionário de tempo integral entre os anos de 1980 a 1982, nos estados do Paraná e Santa Catarina. Foi um período de grande crescimento espiritual e de ter contato com pessoas de culturas e classes sociais diferentes.

Retornei para minha casa e passei a servir em vários chamados de liderança dentro da Igreja ( todos eles voluntários , já que na igreja não existe salário para cargos eclesiásticos )

Em 1984 parti para mais uma incursão missionária em São José do Rio Preto - SP , onde permaneci por pouco mais de dois meses.

Sempre sob a proteção do Pai Celeste realizei um bom trabalho.

Retornei à minha casa e voltei a servir em chamados de liderança durante mais 20 anos, sempre buscando ajudar as pessoas a desenvolverem seus talentos em várias áreas, especialmente no teatro onde tive o privilégio de encenar obras de outros autores assim como de minha própria autoria.

Passei por muitas dificuldades em minha vida, mas sempre que foi preciso Deus colocou em meu caminho pessoas-anjo que me deram forças para continuar apesar de minhas fraquezas e imperfeições.

Creio que muitos conhecem aquela história das pegadas na areia, pois bem, tenho certeza de que o Pai Celeste carregou-me em seu colo ou ombros ( e olha que sou pesado ) por muitos trechos deste meu caminho.

Às vezes, durante momentos de grande tribulação em nossas vidas, o desespero e a depressão nos fazem imaginar que fomos abandonados à nossa própria sorte. Ledo engano.Por mais distante que nos pareça a luz, são nossos olhos que estão enfraquecidos, é nossa alma que está abatida e por vezes não percebemos que Deus está ao nosso lado dando-nos ainda que o mínimo para suprir nossas necessidades.

Qualquer que seja a tua religião, a fé em Deus ( seja lá pelo nome que o chames) é que mantém acesa a vela da mais tênue esperança.

Ainda que as sombras da noite pareçam nos envolver e ainda que a luz apenas bruxuleie nos momentos de maior dor e ambiguidades de nossa vida, Deus está ao nosso lado.

Um amigo aqui da internet, disse-me estes dias num e-mail , sobre minha situação atual que " Isso não é vida para se vender a ninguém" , realmente não é, quisera eu que nenhum de vocês tenha de passar pelo que tenho passado ao longo dos últimos anos, mas, não fôra a intervenção divina , acolhendo-me em seus braços nos momentos mais extenuantes de minha caminhada, usando aos meus amigos e até pouco conhecidos para estimular-me a seguir em frente e, por certo eu já teria naufragado em um mar de autocomiseração há muito tempo.

Sou grato ao meu Pai Celeste por haver me concedido o privilégio de ser criado por pais amorosos quando os meus biológicos não puderam ou quiseram assumir tal responsabilidade.

Se tenho curiosidade de conhecer minha família biológica?

Claro que sim , ao menos saber quem eles são ( eram ) Talvez nem estejam mais entre nós e , quem sabe quais caminhos meus irmãos de sangue haverão trilhado?

Talvez eu jamais encontre estas respostas, mas espero que Deus lhes tenha dado ao menos os privilégios que deu a mim. De haverem crescido em um lar que, ainda que sempre humilde , sem muitos recursos financeiros, tenha lhes proporcionado a graça de tornarem-se pessoas de bem.

Se não nos encontrarmos nesta esfera mortal, tenho certeza de que ainda haveremos de nos rever quando nossos tempos aqui já se houverem extinguido.

O meu muito obrigado a todos pelas suas orações e palavras de conforto que me tem enviado ao longo desta minha dificuldade passageira.

É gratificante e estimulante ouvir vossas palavras de conforto, ainda mais porque muitos de nós, sequer chegamos a nos conhecer pessoalmente.

Abraços fraternos

Jorge Linhaça

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anjo.loyro@gmail.com

Arandu, 12 de Junho de 2011