Superlotação no Inferno

Bem meus desconhecidos leitores, como é tão divulgado na mídia o antiquíssimo problema da superlotação carcerária nos presídios, as péssimas condições em que os “condenados” passam, a burocracia nos acompanhamentos nos processos de cada individuo “condenado” pela Justiça, promotores, juízes e suas balanças de equidade enferrujadas, entre várias questões as quais nós estamos caducos de saber, contudo muito dissertamos, criticamos, falamos, e lavamos as mãos, pois não são nossos problemas diretamente é claro; pois bem, no inferno não seria diferente. Hades já não sabia mais onde colocar estas incomensuráveis almas de todos esses mortos desde que o mundo começou a engatinhar, e desde que homem desceu dos galhos das árvores e começou a pichar em rochas, nas paredes de cavernas, papiros, tijolos, livros, etc.

_ Droga_ gritou Hades à sua esposa Perséfone_ meus irmãos Zeus, Poseidon, e meu sobrinho Ares não param de me enviar essas almas porcas desses insípidos excrementos que se chamam homens. E aquele maldito barqueiro me exigiu de novo um aumento de salário para trazer as almas desses andrajos, e olha que ele vive me pedindo para gozar suas férias, mas sempre negocio com ele, e até dou uns abonos extras.

_ Por quê_ aconselha Perséfone_ os outros deuses do Olimpo não mandam parcelas desses mortos para outros infernos ou paraísos: o inferno do cristianismo, do islamismo, ou para o purgatório? Ou para o tribunal de Osíris, ou o inferno do zoroastrismo? Ou a aniquilação total do nirvana budista, ou o samsara, ou para os Campos Elísios? Infernos e Paraísos pós-morte é que não faltam meu maléfico e lindo Hades!

_ Eu sei, eu sei Perséfone, mas se eu fizesse isso, e pedisse isso aos outros deuses, todos eles ririam de mim; achariam que eu não tenho competência para comandar e reger as coisas por aqui meu amor. Diz-me minha esposa, que espécie de deus do mundo inferior dos condenados seria eu, se eu começasse a enviar as almas desses macacos insignificantes para outros infernos de outras religiões, hein? Responde-me meu amor?

_ Hades: o certo é “alma” ou “espírito” esta parte imortal que habita no corpo humano? É inferno em latim, Hades em grego e Sheol em hebraico?

_ É só questão de semântica Perséfone. Não importa o idioma, a cultura, a nação: todos eles criaram milhares de infernos de tormentos distintos com a mesma essência e objetivo: trancafiar-se lá para purificação ou punição. Cada reles humano minha tenebrosa Perséfone já é um inferno orgânico de sombras, gritos, escuridão, violências, e dúvidas. "Alma ou Espírito", tudo é a mesma idiotice espiritualizada, transliterada e dogmatizada. A questão é que não sei mais onde pôr mais essas sombras olvidadas denominadas de humanidade aqui em meu reino. Há almas destes mortos até debaixo da minha cama, e já não posso meu amor nem tirar uma soneca em paz, com tantos gemidos, e gritos e essas anedotas e recordações destas almas que não param de falar um instante sequer de seus passados. É um saco insuportável tudo isso Perséfone. Mas é meu emprego, é meu oficio, não sei fazer outra coisa meu amor, assim como meus irmãos no Olimpo, e os demais deuses das outras civilizações.

Um barulho de algo batendo em uma rocha chega aos ouvidos de Hades. Ele já sabia o que era, ou melhor, quem era, e uma voz assim falou:

_ Hei Hades _ disse Caronte, o barqueiro_ preciso de um barco maior cara. Há pelo menos 13 mil almas me esperando do outro lado para cruzar este rio cara, e este barco não vai aguentar meu chapa. Ah! Quero um amento de 60% em meu salário Hades, caso contrário, levarei meu brilhante e experientíssimo currículo para um outro inferno. E aí, o que irás fazer?

Hades olha para sua linda esposa Perséfone, segura sua mão, beija-a com avidez, e com lágrimas nos olhos, diz-lhe:

_ Eu não suporto mais meu amor. Tou cansado disso tudo. Quer saber? Vou agora a Israel me enforcar na árvore onde Judas se matou? Te amo meu amor.

_ Hades _ bradou Perséfone_ você não pode morrer. És imortal meu querido. ès um deus, e como um deus que és, a morte não pode te tocar.

_ Droga. É verdade. Que merda. Por que me lembraste destes pontos teológicos e filosóficos Perséfone? Que mundo e pós-mundo loucos são estes em que vivemos? Só mesmo num mundo insano e absurdo como este onde não se pode nem morrer quando se quer, mesmo você sendo apenas um mero mito completamente irreal, a fim de servir aos propósitos do medo, da ignorância, do desconhecido e da vontade de poder que dominam a mente humana.

Hades solta à mão de sua esposa, e com a voz entristecida se dirige a Caronte:

_ Tá bom. Vou aumentar teu salário, assinar tua carteira de trabalho de novo, te dar um navio enorme seu porco capitalista, e lembre-se de assinar sua folha de ponto de entrada e saída todos os dias da eternidade seu espertinho, mas antes de tudo isto, vá pegar os filhos de meu sobrinho Ares, aquelas belas e estonteantes crianças batizadas no rio Jordão de “Terror” e “Medo”, a fim de que possam me entreter um pouco torturando sadicamente essas falanges de almas que nem vivem e nem morrem. Fazer o quê, né? Ah meus Jesus Cristinho de Nossa Senhora. Maldita hora em que, eu Hades, nasci deus.

Gilliard Alves Rodrigues

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 14/06/2011
Reeditado em 11/10/2013
Código do texto: T3034501
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