E o fusca 67 quase pegou fogo.

O fusca vermelho finalmente chegou! Carro zero, brilhando de novo! Era numa quinta-feira de setembro de 67. Felizes, na hora do almoço entregávamos aos prazeres do macarrão com frango e eu me lambuzava no molho com o charme do queijo ralado Teixeira. E esperávamos, alegres, a chegada do pai. Pela primeira vez seria um carro zero, portanto, era motivo de muita, mas muita satisfação. Carro novo não era prá toda hora.

O meu pai finalmente chegou e, sorridente, exibia a nova aquisição. Fomos ao encontro e a minha irmã, então com três anos, se pelava de medo do dirigível tão logo o motor fosse acionado. Chorava com tristeza e então a minha mãe logo descobriu: era necessário entrar rápido no carro e o meu pai teria que dar a partida sem pestanejar.

E o carro foi nos acompanhando: viagens a Santos, a Machado, no sul de Minas ou ao Paraná para visitar outros parentes. De vez em quando um passeio pelo Parque da Água Branca, pelo Ipiranga, uma visita à casa da ta Norma no Bosque da Saúde... mas o fusca ficava mesmo era na garagem, porque o pai não se agüentava de preguiça de sair. Justificava que era necessário ”amassear o motor” e então não daria para sair. Amassear uma ova: ele queria mesmo era ficar em casa sem apelos para qualquer aventura!!!

Depois de muitos anos eu fui para a universidade. Logo no início do curso superior eu comecei a trabalhar e então o tempo ficava sempre reduzido, por isso, quando as aulas eram à noite, eu acabava indo de carro. O fusquinha saia do Cambuci, subia a Lacerda Franco, rapidinho percorria a Paulista, descia a Rebouças e pimba... cidade universitária.

Mas numa das noites, na hora de voltar para casa, um anjo da guarda veio junto. Esse anjo se chamava Selma Fortes. Sempre estávamos juntas, num companheirismo sincero, alegre e comprometido com os estudos. Fomos companheiras de USP durante 5 anos e como foi bom... com ela aprendi algumas coisas sobre judaísmo e a riqueza dessa cultura apaixonante. Mas se não fosse a Selma, eu teria saído do campus e teria percorrido a Marginal Pinheiros para voltar para casa, mas como ela morava na avenida Rebouças, mudei o trajeto por um questão de solidariedade. Eu haveria de dar-lhe uma carona, afinal passava das dez da noite e era inverno.

De repente, um cheiro de queimado.

–“Selma, que cheiro estranho...”

“-Liga não, Verusca, é aquele carro ali ó, que passou voando”.

O cheiro foi aumentado e resolvi olhar para trás. Debaixo do banco do carro o fogo começava a subir.

“-Selma, é incêêêênnnndio”””...

Joguei o carro na calçada, bem na frente de uma escola de Inglês. Entrei gritando, correndo: “O meu carro tá pegando fogo..”

A secretária, assustada, mostrou o caminho da cozinha. Correndo pelo meio da escola, alunos e professores olhavam boquiabertos para aquelas duas malucas invasoras e nem deu tempo para sentir vergonha. A Selma e eu fomos de baldes e canecas para o carro, atacando de bombeiras de primeira hora. Ufa!!! O incêndio foi debelado, sem mortos ou feridos. Depois foi a hora de telefonar pro pai:

-“Pai, eu to aqui na Rebouças, escola tal, número tal. É que o carro pegou fogo , mas a Selma e eu já apagamos. E agora?”

Em pouco tempo chegaram de taxi o meu pai e o meu irmão. Deram um jeito e voltamos pálidos prá casa. A amiga, providencialmente, resolveu dispensar o restante da carona.

O meu irmão ficou impressionado com a quantidade de água dentro do carro. E perguntou: “por que não usou o extintor?”

Respondi um “ããã” na mais profunda ignorância

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 15/06/2011
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