Sou escritor!

Não adianta: não ganho nenhum centavo, as críticas são as piores possíveis, o peito arde em paixão, a mão tremula em busca do lápis, a insônia quer mais café, o sonetinho no jornal do bairro vira um orgulho para os irmãos (e um dar de ombros para a mãe), tem gente que nem de graça aceita as "desgraças" que escrevo... mas... eis que... não tem jeito: acabo de sentir fundo na alma que eu nasci para ser um escritor. Digam que serei medíocre, que morrerei de fome, de ostracismo ou vergonha, mas essa alegria da minha alma é impossível de calar com esquecimento e futuro: sou um escritor, e meu caminho vibra diante dos pés incertos, as mãos agitadas e o corpo volátil. Se meus livros empoeirados, depois que eu morrer, valerem algo, que minha família se encarregue do fardo. Se minhas namoradas jamais perdoarem cada única declaração de amor a uma musa rival, que Zeus encontre uma disputa justa com maçãs e flechas pelo meu olhar mais livre. Se no dia em que eu me for houver uma tamanha vontade de gritar ao mundo tudo o que ainda preciso criar e martelar com esmero, eu me calo e espero, contrito com essa veia poética a ponto de jorrar longe toda essa mania de louco mentecapto disforme incontornável com que meu ser se agita de um lado para o outro dos nasceres do sol. Sou escritor, meu pai, foste um mecanógrafo, intentei ser datilógrafo, só me restou grafar sobre Deus e o mundo, assunto que, juro, é a pior viagem para um papo de diacronia. Deus e o seu tempo. O Diabo e seu caminho para a pródiga volta. Os homens e seus kafkianos semblantes diante de realismos fantásticos das notícias mais populares. Escritor, escritor, de ganhar cinquenta reais por um texto todo rabiscado e morno sobre preservação de patrimônio escolar (ora façam-me o favor), na hora cometi um pecado, estava de boca cheia e arremessei o resto do pão longe, num canto do gramado, e limpando as mãos na cintura fui receber a honraria, um cheque xerocado que me frustrou de levar a musa, na época, a tomar café, andar, conhecer Florianópolis de meus versos sobre Antonieta de Barros. Minha veia por vezes entope, o nariz entope, o coração engasga e a garganta seca, e na madrugada passo a mão no silêncio como sobre o pelo de um cachorro amigo já velho, esperando que de dentro de uma memória relutante salte o mais tagarela pirralho que vá colorir em variadas linhas de fuga as mais profundas expressões de ataque. Sou escritor, sou escritor. Rasguem minhas possibilidades, neguem-me as autoridades o aperto de mão, que eu continuarei a viver uma vida sempre aquém de meus personagens, e para muito além de minhas pontuações.

(Tony R. M. Rodrigues - 17/6/2011)