Papel x Biscoito

-Limpai-vos, disse Ele, e calou-se.

-Mas Pai, retrucou Adão, as folhas de bananeira nos são desconfortáveis.

-Terei então que dar um rolo de papel higiênico?

-Sim, meu pai.

E Deus fez o papel higiênico em rolos de quarenta metros, e viu ele que isso era bom.

-A vós, meus filhos, deixo então os rolos de quarenta metros. Vocês podem usar quais quiser: Fofinho, Camélia, Sublime, Neve e até o Regobom. Mas não use os rolos de trinta metros!

O tempo passou, e Eva precisou fazer compras. Ao passar pela seção de higiene, eis que lá estava um vendedor peçonhento, muito magro, com uma língua bem comprida e bifurcada, e falava sibilando. No crachá estava escrito seu nome: Snake. E disse ele a Eva:

-Mulher, Deus os obriga a usar os rolos de 40 metros. Isso é um absurdo! Já viu os preços, como estão? Tome aqui este pacote. Veja: ele é mais barato...

-É mesmo... ele é mais barato... m-mas, espere: estes rolos possuem 30 metros! Deus não vai gostar...

-Leve, menina... deixe de bobagem... você sabe que o Adão nem está ganhando pra isso tudo, mesmo...

-E-está bem...

E chega Eva em casa, com as compras do mês. Enquanto Adão ajudava a guardar as compras, Deus irrompe, furioso, e vai para cima de Eva:

-Mulher! Por que me desobedeceste?

-Não sei do que falais, meu Pai...

-Os rolos de trinta metros! Foste imbecil... agora, não mais existirão rolos de 40 metros. Os vendedores aumentarão o preço do rolo até chegar ao preço dos rolos antigos!

-Fui enganada!, bradou Eva, em vão. Quando voltou ao supermercado, o papel higiênico estava no mesmo preço de antes, mas com quarenta metros a menos por pacote. Ou seja: em cada quatro rolos, ela perde um.

Com a expulsão do paraíso, nos restou criar a sociedade. Depois Jesus veio e nos redimiu. Teríamos a segunda chance.

-Pai, disse o homem, a vida moderna tornou impraticável levar frutas e carne para o trabalho, para as termas, para os coliseus. Por favor, madai-me biscoitos recheados!

E Deus criou a Piraquê e a Nestlé, e viu Ele que isso era muito, mas muito bom.

-Toma, filho. São pacotes de 200 gramas. Podes escolher entre o Negresco, o Trakinas, Chocolícia, Tortinhas e o Passatempo recheado. Se for macho, pode até encarar aqueles dos camelôs da central. Mas nunca, nunca mesmo, escolha os pacotes com 164 gramas!

E o homem não deu ouvidos, e, ao ver um pacote de biscoito mais barato, sem se importar com o peso, comprou-o. Em seguida o biscoito aumentou e equiparou-se em preço.

Pagando cada vez mais e consumindo cada vez menos, só então o homem deu-se conta de que existe uma semelhança entre o papel higiênico e o biscoito recheado: a escrotidão. Será que os biscoitos de 200 gramas sairão de circulação? Muitas marcas conhecidas já diminuíram o conteúdo de suas embalagens. É difícil... Nossa inequívoca habilidade de esquecer pesos e medidas - e de aturar calmamente esse tipo de coisa - está nos levando a uma tórrida situação: em vez de inflação, que mantém o produto mas aumenta o preço, estamos diminuindo o produto para manter o preço! Por que? Porque senão ninguém compra! Se os salários não aumentam, acho que não há nada mais vexatório do que olhar para o bolso e ver que um simples pacote de papel higiênico está além do nosso poder aquisitivo! E acho que o homem não quer retornar à folha de bananeira... O mesmo com os biscoitos: sendo supérfluos, são os primeiros da lista a serem cortados, em caso de aumento. Para não tomar prejuízo, os grandes fabricantes de biscoito apelaram para a nossa singular maneira de readequar preços.

Eu, hein. Acho que só vão sossegar quando a gente estiver comprando papel higiênico a metro (Salta três metros para a Dona Claurência!), e comprando biscoitos simples e recheando em casa, pra ficar mais em conta.

Que vida...

Thiago Salinas
Enviado por Thiago Salinas em 02/07/2005
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