OS MISTÉRIOS DE UM RIO

Estou de malas prontas para viajar pela primeira vez para o rio Araguaia. Distante meio continente do oceano Atlântico, Goiás tem no Araguaia e em suas areias brancas o seu mar particular. A sua única possibilidade de praia. Goiano que se preza vai ao Araguaia ao menos uma vez na vida. O rio é uma espécie de Meca, alvo de peregrinações, principalmente no meio do ano.

A simples ida ao mais fascinante dos rios que cortam Goiás me inspirou a pensar sobre os mistérios de um rio. Não há nada mais interessante do que o leito de um rio a correr, levando consigo aquilo que as margens rejeitam. Heráclito, pensador grego da Antiguidade, afirmou que nunca estamos ao pé do mesmo rio duas vezes. No rio temos o mais exato exemplo de que a vida se renova todo o tempo.

Durante o curso da história os homens sempre tiveram nas águas de um rio a fonte para alimentar as necessidades da vida e da alma. Todas as cidades se formaram às margens de algum rio, o que era a garantia de sobrevivência da coletividade. Sem um rio ou um córrego (que nada mais é do que um rio sem ambições), era inviável fundar uma cidade. Dali viria o sustento para se plantar, cuidar da higiene, se hidratar, enfim, a água do rio sempre foi o mais singelo sinônimo de vida.

Mas há rios que são como deuses. O Nilo é a razão de ser do povo egípcio. Sem o Nilo não haveria o Egito que aprendemos a admirar nos livros de História. A Índia tem o rio Ganges. Alguns hindus acreditam que ninguém é completo sem um mergulho no Ganges pelo menos uma vez na vida. Muitos indianos creem que o Ganges pode purificar uma pessoa de todos os seus pecados, e poderia até mesmo curar uma doença. O que falar do rio Amazonas, o nosso Amazonas, considerado o maior do mundo e principal artéria do pulmão do planeta Terra? O rio São Francisco, também conhecido como Velho Chico, é para o sertanejo do Nordeste a reconciliação com a vida, a possibilidade do milagre. A relação do nordestino com o São Francisco é tão íntima que faz dele um parente querido sempre a chegar de muito longe, cheio de causos para contar e motivos para se abraçar.

De todos os rios do mundo nutro uma paixão especial e incompreensível pelo Danúbio, que nasce na Alemanha e deságua em território romeno, após atravessar parte da Europa. Para mim, o instante da verdade do rio Danúbio se dá na cidade de Budapeste, na Hungria. Ali, o Danúbio é romântico, é singelo, é tocante. Para lá, somente lá, nesse recorte poético do mundo, transfiro toda a minha utopia e fé na humanidade.

Não morrerei sem antes passear de barco com minha amada pelas águas mágicas do rio Sena, em Paris. Exijo Paris durante a noite. Nenhuma outra condição me agradaria. Lá declamarei poetas franceses, italianos e belgas. Lá farei promessas de eternidade como quem respira. No rio Sena serei forte e o mais sensível dos homens ao mesmo tempo. Serei o mais protetor e generoso dos amantes.

Não sei onde reside o grande mistério de um rio. Talvez seja no seu princípio, pequenino, insignificante, nascendo todos os dias, um pequeno filete de água, saindo de alguma montanha. Talvez seja no seu curso adulto, definitivo, alimentando homens, bichos, plantas e esperanças. Talvez seja no seu encontro com outros rios ou no seu abraço final com o mar, onde o infinito sepulta sua missão.

Fernando Pessoa, o meu poeta amado, cantou que o rio da sua aldeia é mais belo do que o grande Tejo pelo simples fato de ser o rio da sua aldeia. Sim, não ouso discordar do mestre. Mas presunçosamente, declaro que há na minha aldeia dezenas de rios, os mais belos, profundos e misteriosos rios do mundo. Todos correm sublimes, guiados unicamente pela minha capacidade de imaginá-los.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 22/06/2011
Reeditado em 10/04/2012
Código do texto: T3049770