O PERSONAGEM



            O frio na barriga me domina, parece que o coração vai explodir. Minhas mãos tremem. O texto, antes “na ponta da língua” agora me foge à memória. Olho pela fresta da cortina: teatro lotado, gente chegando, gente em pé, gente por todo lado. Faltam poucos minutos para eu entrar em cena. Logo estarei ali, sozinho no palco. Meus olhos vidrados consultam o relógio. Tento me concentrar, inutilmente. Hora de entrar em cena: o coração bate mais forte! Abrem-se as cortinas!
            Já não sou mais eu. Entro na pele do personagem como se fôssemos um só. E nessa incorporação eu represento, canto, danço, sapateio. Provoco risos, choro, viro herói, bandido, corajoso, ousado, destemido! O público delira, aplaude, quer mais! Por algumas horas, reino absoluto! Sou o centro das atenções! O personagem (esse sim!) representa tudo o que eu queria ser! Depois, quando as cortinas se fecham e acabam os momentos de glória, pergunto: quem sou eu? Estranhos me aplaudem, pagam para me ver e ouvir. Jornais e revistas estamparão nas capas o sucesso da estréia. Mas no palco da vida continuo sozinho. Ouço o barulho das vozes, as gargalhadas, o som dos aplausos! Desligo a TV e me recolho. Amanhã repriso o espetáculo e através do personagem, volto a viver!