Lembrança de uma aula diferente

Docensfobia

Wilson Correia

Aquela ficou em minha memória como uma aula diferente. Tomásio Estagirita era o professor “incomodado de nascença”. Vivia, pois, a empreender engenhos de aperfeiçoar isso e aquilo, Deus e o Diabo – aliás, foi dele a sugestão:

– Por que Diabo o próprio não merece um ‘Dêzão’ maiúsculo?

Não prestei atenção nesse assunto, mas gravei a palavrinha estranha, o neologismo do feitio daquele ensinante dedicado à busca da verdade: “docensfobia”.

– “Fobia”, do grego “phobia”, é o termo que nomeia “medo”. “Docens” designa o "docente", o “ensinante”, o “professor”. “Docensfobia” é, simplesmente, outro nome para “medo de professor, de professora”, assegurou, categórico, mestre Estagirita, continuando a nos incomodar:

– E "docensfóbico" metendo medo em criança, jovens, homens e mulheres, até e sobretudo nos próprios pares, até na sociedade inteira é o que não falta. Sócrates suscitou medo às avessas, acovardou-se diante da vida e se foi. Giodano Bruno, bom exemplo, foi temido por “ir contra” à não verdade e nos ensinou a ser livres. Galileu Galilei fez melhor e não trocou a vida pela verdade científica. Vida alguma vale uma verdade científica ou filosófica. Em nome da vida vale qualquer desmentido!

A turma respirou fundo.

– O que mais viria de Tomásio naquele dia?

E ele prosseguiu:

– Mas Sócrates, Bruno e Galilei são acontecimentos “docensfóbicos” clássicos, talvez os de Bruno e Galilei tenham sido necessários e positivos. A história sustenta que eles vieram, viram, fizeram seus quefazeres e se mandaram, talvez enojados com a pequenez de que o ensinante é capaz – pares "docensfóbicos" dessa tríade aí houve à farta, com lenha e fósforo à mão, prontinhos para acender fogueiras na qual nossos exemplos históricos seriam queimados como se assa o milho em Festa de São João. Medos entrecruzados!

– Conosco, foi adiante o professor Tomásio, ficou a “docensfobia” entre pares, essa a nos assaltar "sistemaquinamente". As piores delas verificadas feito manias. Por exemplo, “mania de não persigo par”, essa tentativa malfadada de escamotear a crua perseguição que o "docensfóbico" perpetra diuturnamente contra colegas, no plural. “Mania de sou pela igualdade no magistério”, visando à tentativa de dissimular o apego do "docensfóbico" à mesmice ou à mesmidade professorais.

E uma pergunta fez mexer as carteiras:

– Notaram que há pigmeus "docensfíbicos" entre nós advogando igualdade entre os tamanhos, mas que, na prática, constroem condomínios fechados ao quais apenas têm acesso os "docensfóbicos" de fenótipo pigmáico?

– "Pigmáico" é demais, resmungou o conformadinho do lado.

Tomásio não ouviu ninguém, a porta se abriu para o intervalo. Saímos todos, cada um a olhar para o desconcertado de cada qual, mas percebendo bem mal o alcance da espinafração. Afinal, éramos meros candidatos à docência e aquele professor do inconformismo jogava areia em nosso ventilador, a pedra no nosso caminho e a casca de banana em nosso passeio com aquela tal de “docensfobia”.

Hoje, vivendo, fazendo e sofrendo a “docência”, sei de cor e salteado o sentido daquela aula que a realidade institucional do magistério não me deixa esquecer.

Para finalizar mesmo, só uma indagação:

– Que tipo de educação esperar desses Pigmáicos Diabos Docensfóbicos, heim?