O passarinho

Luiz Celso de Matos

A cada fio de cabelo branco que a vida me oferece e com essas mesmas atuais frágeis pernas que tantas cercas pularam, pasmo, diante de certas atípicas situações.

Dias desses, há pouco havia chegado a Foz do Iguaçu, abri a mala, coloquei meus trajes no guarda-roupa, lavei-me, e desisti da idéia de almoçar. O avião atrasara cerca de hora e meia. A despeito de ter recebido um “farto” lanche no vôo, achei por bem tapear a fome comendo uns pastéis em uma pastelaria próxima do apart hotel onde me hospedo pelo menos uma vez por mês nessa cidade.

Na pastelaria fiz o pedido no balcão e olhando para fora, vi um casal ocupando uma mesa sob uma agradável sombra. Foz é muito quente. Resolvi desfrutar também de uma dessas mesas.

Enquanto aguardava meu pedido, comecei a conjecturar que tipo de jogo aplicaria na roleta mais tarde no Casino de Puerto Iguazú. Iniciaria com as colunas? Com os vermelhos ou pretos? Par ou ímpar? Setor do zero?

Optei por mudar o rumo do pensamento. Sabia que na hora de entrar em campo a adrenalina extermina com tudo que antecipadamente o jogador premeditou. Elimina, inclusive, o juramento anterior de aplicar severamente o autocontrole. Aliás, para o jogador patológico, autocontrole inexiste.

No caso do jogo da roleta, se você sentar ao lado do balcão do bar, pedir uma água e ficar atento para alguma mesa próxima, você entrará no campo do inimaginável. Vou tentar descrever o jogador compulsivo, o jogador patológico. Penso não encontrar muita dificuldade, nessa tarefa, ele é muito parecido comigo.

Então, estou sentado e focalizo um cidadão de idade mediana. Seu olhar, a expressão do seu rosto, sua postura é, nitidamente, diferenciada. Aliás, essa diferenciação ocorre com a maioria dos jogadores em qualquer tipo de jogatina. ¬Pois bem, o nosso jogador focalizado acabou de acertar um pleno com dez fichas de US$ 1, portanto ganhou US$ 360 ou 360 fichas. O que ele faz? Guarda 20, 30 ou 50% do que ganhou? Você respondeu: Não! Você acertou em cheio. Pois bem, nosso protagonista, apanha aquele monte de fichas e distribui tudo em pelo menos quinze números dos trinta sete que possui uma mesa de roleta européia ¬¬ (do n°1 ao 36, mais o zero). Quando o cassino está cheio, na hora das apostas, é de rir. Você não ouve um só: com licença, ou con permisión. É jogador desesperado em apostar, trepando nas costas do outro, só para alcançar o número desejado no irresistível pano verde, antes que o crupiê finalize as apostas.

Para os bons de algibeiras, é tudo de graça no cassino. Acomodações, alimentação, bebidas, passagens aéreas, e outras cositas no más....No frigir dos ovos, o ganhador da noite é um só. O generoso dono do cassino.

Voltando ao meu pastelzinho. Já havia comido um e finalizava o outro. Quando de repente, podendo ocupar qualquer moita, nessa nossa enorme extensão territorial de 8.511.965 km2, uma FILHA DE UMA P...assarinha, inventou de dar uma esverdeada cagadinha no meu ombro esquerdo. Cacete! O pior é que havia viajado só com uma camisa branca. Pô era sexta-feira. A camisa do jogo de hoje tinha de ser branca. “Hoje, novamente, vai dar merda no cassino. Mais uma vez vou deixar minhas verdinhas pros putos dos argentinos”. Com esses pensamentos voltei ao hotel e meti uma camisa amarela. É a cor das fichas que quando chego na mesa falo para o crupiê; câmbio cién de las amarilhas.

Enquanto me dirigia ao hotel senti que meu emocional havia descido ao sórdido nível da sola do calçado.

E agora? Com a nova camisa, e com um futuro incerto, decidi apanhar no banco uns reais caso faltassem os dólares. Quando cheguei ao caixa, recebi aquele inconfundível e implacável aviso dos meus intestinos. Pensei, essa repentina dor de barriga, só pode ser por causa do pastel quente e d’água mineral gelada. Apressei-me nos clica isso, clica aquilo. O pior, nesse caixa não havia money. Quando meti o cartão em outro caixa, veio novo aviso intestinal. Retirei o cartão e com a duas coxas a la xifópagas, bem grudadas, fui dando curtos passos. Passarinho desgraçado fui pensando. Já começou a mala suerte. O bicho começou a pegar, tive que apressar os passos. Só me faltava essa de acabar sujando, agora, o fundilho da calça.

Suando frio, lembrei-me de Dale Carnegie e outros caras que escrevem sobre pensamento positivo e tentei dar um nó no meu gabinete de pensamentos. Com a sensação de ter percorrido a pé, a lendária Rota 66, cheguei ao hotel. Entrei no elevador. A porta estava com defeito, fechava bem lentamente. Já tinha aberto o cinto da calça quando a porta estava para cumprir a sua tarefa de fechar totalmente, adivinhe quem abre a porta nesse átimo e entra no elevador? Um funcionário da portaria que ia até ao 1° andar. Desgraçado. Novamente o solene e vagaroso fechamento da maldita porta. Pensei em matar esse funcionário da portaria. Não é meu dia, pensei. Acho melhor tomar um banho e ficar vendo televisão. Foi aí que entrou em cena o diabinho de capa cor-de-rosa.

— Larga de ser supersticioso. Pra quem já vive cagado há tanto tempo, uma merdinha a mais no ombro, não vai fazer diferença. Avante, meu jovem! Esqueça o passarinho. Vá a luta companheiro!

Fui chegando no Cassino, contei o nefasto episódio para dois amigos argentinos que lá são gerentes. Rindo eles afirmaram:

— Sr de Matos, esto es muy bueno. Cagada de pájaro? És de buena suerte.

Pois não há de ver que os gringos tinham razão? Aconteceu o inesperado. Embolsei algumas centenas de dólares. Depois dessa noite passei a achar que o Maradona é melhor que Pelé.

No dia seguinte, muito ansioso, sentei no mesmo lugar daquela pastelaria. Aguardei desesperado por quase duas horas o desgraçado do passarinho. Comi meia dúzia de pastéis, bebi uns dois litros d’água, olhava para o céu, para árvore sobre mim e nada do desgraçado do passarinho. Não apareceu. Quem sabe na próxima viagem...

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Luiz Celso de Matos
Enviado por Luiz Celso de Matos em 25/06/2011
Reeditado em 06/04/2013
Código do texto: T3056793
Classificação de conteúdo: seguro