A VIÚVA

A casa é bem simples. Numa rua igualmente singela, sem maiores recursos. Era inverno, passei naquela rua e observei um pouco a casa. Ele tem um pequeno muro na frente e logo em seguida uma varandinha sem luxo algum. No quarto que dá pra rua, uma luz ultrapassa a persiana de metal da janela. Na sala, bem junto à varanda, luzes apagadas, mas podia-se perceber por detrás de uma cortina, as luzes da TV ligada. A casa estava triste, como triste deve estar D. Eduarda. Ela provavelmente não estava na sala, e a TV substituía o som da voz do marido. Ela o sepultou hoje. Viveram juntos por longos anos, e ela já esta velhinha. Deve ter seus setenta anos ou mais.

Ela é uma mulher silenciosa e cultiva horta no quintal. Vira e mexe vende um pouco de couve ou de cebollinha para um vizinho. Sempre com um sorriso mudo no rosto, demonstrando uma alegria que não parece verdadeira. Não tem filhos pequenos. Diz-se que tem um filho já moço que mora bem longe daqui. Eles são de outra cidade e já moram aqui faz tempo. Não sei porque, na verdade, vieram para cá.

Não gosto desse sentimento, mas fiquei pensando nela com uma certa nostalgia da vida. Ela é uma mulher calada e quase não conversa com os vizinhos. Dificilmente se pode ver sua porta aberta. Ela fica fechada em seu mundo, mas cuidava do seu velho e ocupava sua vida com ele. Ele não era muito fácil não. Eu o via sempre assentado na varanda, meio cochilando. Devia ter mil manias. Ela suportava tudo, penso que de fato o amava. Agora esta naquela casa solitária. O que faria no quarto? Chorava sobre a cama ou manuseava as roupas do marido? Como será a primeira noite de uma viúva numa casa vazia?

Estranho essa vida mesmo! Tudo um dia parece que tem um fim absoluto em si mesmo, sem piedade, dó ou compaixão pelo ser humano. Amamos pessoas e elas nos deixam, são separadas de nós de repente, muitas vezes sem nos despedirmos ou com uma lista imensa de realizações que não tivemos tempo de concretizar. O fim é algo dolorido e provoca em nós um sentimento de impotência. Aquela casa simples ganha hoje adjetivos novos: fria, sombria, silenciosa, nebulosa, inerte. O que antes era o melhor lugar do mundo, agora tornou-se para Eduarda um lugar de martírio e sofrimento. Cada canto da casa deve lembrar seu marido. Triste não haver ninguém lá dentro mais para compartilhar com ela a dor de sua perda. Ela se consola a si mesmo solitariamente. Parece que é este um triste destino reservado a muitas almas generosas, que se doam e depois ficam sozinhas. Nem um filho no outro quarto e nem um neto brincando alheio aos acontecimentos. Ela esta só. Aquela casa é sua prisão e ela continua livremente dentro dela.

Não conseguiria viver assim. Não sei se continuaria ali dentro. Penso que no lugar dela não suportaria as lembranças e sorrisos, as chatices e as desavenças. Seria doloroso demais para uma pessoa tão desacostumada a ser só, sentar-se no sofá para ver televisão e observar um lugar vazio. Seria mortal observar a cadeira vazia na mesa do almoço, e a cama ficaria por demais grande para um só.

Nos minutos que fiquei observando, o cenário não mudou naquela casa. A TV ligada na sala aparentemente vazia, e a luz do quarto denunciado pela janela, evidenciava a presença dela no lugar onde antes ficavam juntos. A rua e as outras casas estão com a vida normal. Não mudou nada em sua rotina e tudo parece como sempre esteve. Só aquela casa esta diferente, como diferente deve estar aquela mulher. Amanhã tentarei vê-la. Estará ela ainda sorrindo tristemente? Ou até mesmo o sorriso triste estaria findo? Há quem diga que não ama para não perder ninguém. Tentei realmente ser assim. Mas quem manda no coração? Eu não consegui desobedece-lo. Se alguém souber a fórmula me ensine por favor. A dor da solidão me fere antecipadamente. Assusta-me e aterroriza-me sobremaneira. Se houver um remédio, passem-me a receita. Ficarei eternamente grato.

LUCAS FERREIRA MG
Enviado por LUCAS FERREIRA MG em 26/06/2011
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