Não se pode desperdiçar

Meu avô paterno tinha o hábito de espremer no prato o restinho da comida entre os dentes do garfo para que nada sobrasse.

Claro que não se tratava de uma fome de imigrante, depois de uma longa travessia pelo oceano. O cuidado era apenas “para não desperdiçar comida”, dizia ele, enfatizando o conselho fazendo o garfo vibrar na cara daquele com quem falava (isso passou ao nosso DNA), enquanto triturava nos dentes o arroz-feijão salvo pela mania. Da sua fazenda Fortaleza ele permitia que as visitas colhessem qualquer fruta desde que estivessem bem maduras – a fruta madura era aquela que se desprendia na palma da mão, sem forçar – e em quantidade apenas suficiente para matar a vontade, sem esbanjamento. Uma a mais seria “um desperdício”. Ah! Os libaneses, como os mineiros, são econômicos.....

Já o meu italiano avô materno, previdente, temente do futuro, - mesmo porque, sabe-se, não nos pertence, mas a Deus – guardava lascas de madeira que poderiam servir de estacas ou, se apodrecendo, de adubo na horta aos fundos da alfaiataria. Na rua, o velho maestro apanhava tudo o que era inútil – que ele, com jeito, transformava em utilíssimo – de forma que, seu bolso, como os nossos de moleques, cheio de pedrinhas, bolinhas de vidro e estilingue, continha pregos tortos, grampos de cerca, parafusos sem porca e vice-versa e até caixa cheinha de fósforos queimados. Tudo em nome do desperdício.

Minha mãe italiana, minha avó libanesa, amontoavam e recolhiam com os dedos apinhados o farelo de pão caído sobre a mesa, diziam: “ o pão é sagrado; não se pode desperdiçar ele sem pecar”. Isso dito em dialeto lombardo é de arrepiar! Em árabe, então, nem falar!!!

Bidi, Salma, Zaid, foram as fadas orientais da minha infância. Guardavam todos os trapos ao seu alcance e os transformava em tapetes, toalhas e almofadas. Sabiam, dos tempos remotos, a dificuldade para se obter o tecido a partir do fio. Não podiam, é evidente, desperdiçar seus trapos.

Pois foi de tanto presenciar a repetição da cautela com o desperdício, que quando passa pela minha calçada alguém que transporta brilho aos meus míopes olhos baços ou altera a minha pulsação, peço por um ou dois dedos de prosa.

Não se pode desperdiçar um amigo(a). Eles andam tão raros ultimamente!