Mesa de bar.
 
Fico num canto do bar, entre minhas queridas amigas, somos tão velhas quanto este bar que um dia já foi chic.
Hoje ele anda meio decadente, mas ainda conserva certa elegância, nossa clientela na grande maioria é de pessoas de bom gosto, como se diz “ gente fina” e educadas.
Não somos como o bar da esquina vizinha onde o som agride nossos ouvidos e a freqüência...
Não quero ser esnobe, mas somos quase uma elite neste bairro,temos categoria!
Sou uma simples mesa, não tenho nada de especial, sou pequena,não sou de madeira nobre, não tenho entalhes algum.
Minhas pernas já receberam tantos chutes que estão cheias de cicatrizes. Outro dia uma delas quase quebrou, mas colaram e parafusaram bem, está pronta para novos ponta pés.
Tenho tampo de madeira quadrada coberta com uma grossa pedra de mármore que um dia foi branco e liso, hoje tem algumas partes lascadas.
Antes de colocarem o mármore, escreviam o diabo com todo tipo de objeto em cima de mim num flagrante desrespeito pela natureza, afinal sou uma árvore, cortada é verdade, mas sou...
Ahhh se eu falasse!
Já vi e ouvi cada coisa...
Durante o dia colocam cadeira amontoadas sobre mim, me arrastam para limparem o chão,jogam água fria nos meus pés, quase me matam de frio,depois mal e mal me passam um pano, me colocam no lugar e eu tiro o resto do dia para cochilar até as cinco horas da tarde.
As cinco horas,os garçons acendem as luzes, abrem as portas colocam temperos e guardanapos sobre  nós e ficamos de prontidão.
As cadeiras como sempre reclamam , rangem e gemem,ora são arrastadas com violência, ora se esbarram, e algumas vezes são levantadas no ar para irem para outra mesa.Coitadas muitas vezes têm que suportarem peso quase alem de sua capacidade.Aí delas se quebrarem...
Suas pernocas chegam a tremer, elas olham para mim e suspiram pela triste sorte.
Casais de namorados geralmente chegam cedo, com mãos entrelaçadas juram amor eterno, trocam beijinhos, promessas...Fico só escutando...
Outros vêm conversarem de negócios, nem presto atenção, não me interesso pelo assunto...
Outro dia dois homens e uma mulher, ficaram conversando, pareciam amigos a mulher era esposa de um deles. Não gostei do olhares do amigo para a esposa do outro. Conheço bem malandro...
Quase cai de susto quando o danado passou a mão na perna da moça por baixo de mim...
Por pouco não tive um “pití”, ela ria fingindo que não estava acontecendo nada, o marido distraído conversava tranqüilo, e o “amigo” continuava... Bandido sem vergonha! Nessa hora queria poder falar, falar não, gritar!!!!!!Não sei como ele conseguiu passar um bilhete para ela...
Que ódio!
Quando foram embora fiquei aliviada...
Ai meu Deus, chegou o homem que enquanto não cai de bêbado não vai embora. Quase sempre ele acaba dormindo em cima de mim... Os garçons já o conhecem, chamam um táxi e despacham o cavalheiro para casa.tenho pena desse pobre infeliz, deve ter lá seus motivos...
Chega um grupo variado, são os filósofos, depois de algum tempo e muita bebida já de “cara cheia” começam a filosofar,discutir questões existenciais...
Haja paciência, bem que dizem que filosofia de boteco é de matar qualquer um... Esses saem tropeçando, nem se lembram mais das besteiras que falaram...
Confesso que tenho duas grandes paixões...
Eles são muito parecidos, um é músico e o outro é escritor, acho que é poeta..
È bem tarde quando chegam!Eles estão quase sempre só, raramente vêm com algum amigo, e quando isso acontece fico feliz ao ouvir sua conversa, é inteligente e sagaz ao mesmo tempo.. Eles não são belos, a alma é que é linda, inspirada.
Sentam tranquilamente, pedem uma bebida, pegam a caneta, começam a escrever coisas maravilhosas nos guardanapos ou no pedaço de papel que têm sempre no bolso.
De vez em quando suspiram, como se sentissem uma grande saudade.
Nem o mármore frio me impede de sentir através do papel o calor de suas emoções, a beleza de seus sentimentos.
Sua alegria, revolta, amor, dor, esperança, sonhos, desencantos, mágoas, sinto, percebo e vivo com eles.
Acompanho cada volta, cada traço da letra, com eles sofro e me alegro. Vivo a poesia que sua inspiração lhes dita. Para mim tudo que escrevem é perfeito, mas não para eles que rabiscam as palavras e muitas vezes amassam o papel e jogam fora. Como gostaria de ter braços para apanhar essas folhas e guarda-las comigo...
Eles são a compensação que tenho por ter ouvido tantas asneiras a noite toda, conversa de gente que corre atrás da felicidade a qualquer custo, gente insensata, preocupada apenas consigo mesma e em causar boa impressão aos demais, numa vaidade desmedida; cada um querendo ser mais inteligente que o outro, como se participassem de um concurso de capacidade,   e exibicionismo,isto sem falar nas piadas...
Mas posso dizer que sou feliz, tenho casais apaixonados ao meu redor, meu músico e meu poeta que dedicam algumas horas a estarem comigo, sempre me preferindo a outras mesas,buscando minha companhia e freqüentando o mesmo  local, o bar também se sente envaidecido,já me confidenciou isso certa madrugada quando estávamos a sós.
Eles nem se dão conta da minha existência, mas não faz mal, o importante é que eu os perceba, e os ame em silêncio.
 
 
M.H.P.M..