MEUS TIPOS INESQUECÍVEIS 2
(Seu Romeu)


O SAFARI MARROM


Eu passava por ali todos os dias.Era caminho para o trabalho e,ainda que não o fosse,penso eu,daria um jeitinho de forçar uma passadela naquela esquina pois que estava pintando um certo clima entre nós.
Rolava uma química (como se diz nos dias de hoje) .Êle esbanjando elegância punha-se à minha espera,ora à direita,ora à esquerda,entre algumas peças de vestuário masculino e tendo ao fundo o belo desenho de um famoso artista plástico iratiense,de cujas mãos haviam surgido os traços de um trenó com a figura alegre de papai Noel.As primeiras renas já dentro da chaminé , e as demais prestes a tomar o mesmo rumo.
Era resultado de uma de suas primeiras investidas no mundo dos desenhos,por isso independente de data aquêle clima natalino estampado em cartolina permanecia por ali.
Do outro lado do vidro eu idealizava o abraço daquêle “ meu sonho de consumo “ ainda que pairasse um certo receio de que aquilo poderia ser “muita areia para o meu modesto caminhãozinho”.
Mas...Sonhar é preciso,é alimento da alma,então...Envolvido em meus devaneios,uma voz soa-me educadamente aos ouvidos:
_Posso lhe ser útil em alguma coisa,meu jovem?
Olhei para aquêle senhor que me havia inquerido,de quem muito pouco eu conhecia,e lhe respondi de pronto:
_Gostaria de comprar aquêle “Safari”,mas receio custar um pouco além de minhas modestas posses.
_Isso não será problema,meu jovem.Apesar de só conhece-lo de vista,tenho de seu patrão boas referências sobre a sua pessoa.Prove-o e ,se lhe cair bem,acertaremos a forma de pagamento.
Saí do provador abraçado ao meu sonho de consumo.Um riso de satisfação fazia acrobacias em minha face.Diante do espelho,dentro daquela peça de vestuário,acabara de sentir-me “um pedaço de mau caminho”,ainda que a voz do bom senso me houvesse quase berrado à consciência:”Te encherga,meu!”.
O educado senhor teceu alguns comentários elogiosos à respeito do “caimento” da indumentária e,retirando da gaveta um daqueles livros antigos de “Contas Correntes” que presumo deveria ter por volta de 500 páginas,abriu-o sobre o balcão,perguntando-me:
_Qual é mesmo a “sua graça?”
E a caneta “Parker” desenhou,literalmente, meu nome naquelas linhas num dia qualquer de 1971.
Foi o meu primeiro contacto com o inesquecível proprietário daquela loja de roupas masculinas que comercializava com exclusividade a famosa marca Renner.
Dêsde então,tornei-me cliente assíduo e,bem mais que isso:um admirador daquela sua maneira elegante,educada,cordial de tratar as pessoas.
Sacramentava-se naquêle  instante a tão esperada união com o meu sonho de consumo.
Vivemos,êle e eu, grandes momentos,grandes aventuras (Indiana Jones sentiria uma pontinha de inveja se as tivesse presenciado) até o dia em que por força do desgaste,tão corriqueiro em qualquer relacionamento,uma ligeira  proeminência  surgida em minha barriga motivasse a nossa separação.
O Safari marrom,ainda com alguns resquícios da colônia “Rastro” ,foi para outros braços permanecendo por algum tempo unido à alguém cujas dimensões abdominais ajustavam-se perfeitamente à êle.
Aí entendo muito bem quando Caetano diz em “Sampa”,que alguma coisa acontece em seu coração...
Porque à exemplo do cantor,à mim também ocorre coisa igual quando ,no topo da mesma rua ,cruzo em frente àquele antigo endereço.
Lembranças daquêle que fui,dos sonhos e amores que tive,das pessoas que me foram ternas,amigas...
A nostalgia investe pesado na recriação dos cenários. As mesmas etiquetas por detrás das vitrines,o mesmo desenho natalino,um ar cheirando à café “torrado e moído na hora”(chavão do anúncio de uma antiga padaria quase em frente) e , na calçada ainda em paralelepípedos ,de sobretudo preto êle:
Seu Romeu! Aquêle de quem adquiri o meu “Safari Marrom”.