O Senhor das Palavras

Os pais contam aos filhos o que ouviram de seus pais e, estes, aos seus filhos, o que também ouviram. É certo que por vezes mentem. Fantasiam com criatividade personagens e eventos à medida que, dali, resulte um fundo moral adequado à hora. Nunca é diferente, cada qual a sua forma. Procuro não fugir a regra e, de quando em quando, me pego contando algum causo antigo que colhi no quintal lembrança.

Meu pai era pródigo – o senhor das palavras. Conseguia encadear enredos e manter sem exageros interesse e expectativa. Ia mais longe, colocava-se e retirava-se de cada tema com habilidade de mestre. Impunha um fluxo retórico que, com certeza, aguçava os sentidos e alimentava o espírito; encantava.

Eram campanhas de guerra, jogos e feitos inesquecíveis, lugares misteriosos, criaturas fantásticas, homens e mulheres comuns. Importantes, todos importantes. Cúmplices de um plano perfeito e, mesmo que, habitantes de um mundo paralelo, foram e serão para sempre, espelhos de nossas consciências, protagonistas reais e preciosos de todos os momentos.

A prosa tomou outro rumo, confundiu-se com a saudade. Abriu-se o livro, o coração e o sentimento e, réu confesso – mais do que pessoal, fiz do texto uma homenagem pertinente ao tempo.

Os pais contam e os filhos escutam, depois sedentos, continuam pela estrada e aprendem, aprendem e aprendem. Envelhecem, nunca esquecem. Transmutam fantasia e realidade como num passe de mágica, por vezes nem percebem o quanto. Todos são poetas, todos navegantes de um mar que não se toca, apenas se respira.

Vejo agora o quanto aprendi.

Marco Araujo
Enviado por Marco Araujo em 02/12/2006
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