Mãe, dá um jeito nesse garoto ... !!!

(Minha irmã Isabel)
 
... Era assim que ela me entregava prá mamãe quando eramos pequenos.
Vasculho a memória e descubro retalhos de lembranças escondidas e a vejo, claramente, como se ainda estivessemos vivendo aqueles tempos.
Criança pequenina, pele muito clara, olhos verdes profundos, cabelos negros e, um jeitão de gente grande quando franzia a testa.
Naquela época, recordo agora, o que ela gostava mesmo era de ser a pequena dona da casa ... coisa de irmã mais velha !!!
Era a personificação da nossa mãe. Se eu estivesse fazendo alguma traquinagem, me preocupava primeiro se ela estava por perto.
Nessa linha de menina mãezona, de alguma forma, ajudou a manter a nossa clã mais reunida.
Quando completou 15 anos, papai e mamãe armaram uma festa de rachar !!! Lembro de cada detalhe, principalmente porque foi a primeira vez que coloquei um terno. Naquela noite, acabei a festa com os bolso cheios de salgadinhos e doces. Essa fartura não era comum prá gente !!!
Depois, com o passar dos anos, tornou-se uma bela mulher e companheiríssima dos meus primeiros madrigais.
Os bailes no Canto do Rio tinham as nossas impressões digitais de frequência.
Lembro que a gente tinha um conjunto preferido prá dançar : Sérgio Norberto.
Porque ela era muito popular, não havia festas ou eventos onde não estivessemos presentes ... eramos sempre convidados.
Quando fez 19 anos, ganhou dos nossos pais, uma fusca azul, que a gente considerava a 8ª maravilha do mundo moderno. Duvido que qualquer das pirâmides do Egito ou Muralhas da China, fosse mais importante !!!
O duro é que ela não emprestava o “vaporzinho” de jeito nenhum. Mesmo que eu dissesse que era pra’ ir a um funeral ela acreditava.
Depois de tantos anos eu posso contar um segredo, já que ela não tem mais a quem se queixar : vez por outra eu pegava o carro “emprestado” prá dar umas voltas por aí. Mas, tinha o cuidadoso trabalho de colocá-lo no lugar, antes do dia clarear. Duro era sair da garagem sem ligar o motor. De qualquer forma, tinha sempre alguém prá ajudar a empurrar.
Aos sábados, a gente entrava em sintonia e buscava o mesmo destino : praia de Piratininga.
O traçado era pular no azulão, passar na casa de Dunga, encher o carro com o povo da rua Santa Clara e se mandar prá praia.
Lá, em reverência à magnífica paisagem, extasiados, num momento único e, ansiosamente esperado, abraçavamos cada uma das ondas e, espalhados pela areia quente, deixavamos o sol passear pelo nosso rosto, vagarosamente, como um ritual íntimo, repetido a cada semana.
Naqueles dias, o imperdível era observar Dunga, tentando descolar bronzeador junto às belas fêmeas descuidadas, deitadas em suas toalhas multicoloridas.
Depois, a vida foi puxando cada um pr’um canto. Ela casou, teve filhos e hoje, está fazendo sessenta anos.
Inclusive, existe alguém que já quase a chama de vovó ... seu netinho Davi.
Bom mesmo é perceber que ela continua sendo a mesma e pequenina menina que tomava conta da gente. Acho que Deus, de alguma forma, preparou isso tudo prá quando nossos pais se fossem.
Numa outra visão, parece-me que ela tornou-se, o novo elo de ligação entre toda a família e uma porção de agregados.
As emoções passadas marcaram e deixaram registros em meu coração. Cada espaço de tempo decorrido, daquela época até agora, serviu prá trazer maturidade e, principalmente prá me ensinar a dizer do privilégio que sinto em ter convivido tantos momentos junto a ela e poder ser chamado seu irmão.
Parece-me muito importante saudá-la, nesse dia, pelos sessenta anos de vida. Além disso, prestar depoimento acerca da filha amorosa que sempre foi, a mãe especial que tem sido junto aos seus filhos e a irmã mais velha, tão próxima de mim noutros tempos e que ainda me traz recordações íntimas, guardadas e escondidas sob o meu mais profundo da epiderme, onde somente a poucos é permitido transitar. Ela sempre demonstrou uma obstinada vocação de priorizar o lado humano das coisas, em todas as questões.
Deus, em momentos singulares, cuida, pessoalmente, de supervisionar a construção de pessoas raras e especiais. No seu caso, sinto que Ele a Fez com Suas próprias mãos.
E eu, agora, numa reflexão, abraçado por antigas lembranças e tomado pela emoção do quanto escrevi, subjugo-me às armadilhas que a mente sempre me prepara e entrego-me à doce impressão de ouvir nossa mãezinha dizer, baixinho, quase num sussuro : - “ Bebel, toma conta desse garoto prá mim ”.
 
Germano Ribeiro
Enviado por Germano Ribeiro em 04/07/2011
Reeditado em 07/10/2011
Código do texto: T3075219