Também sobre um aniversário...

Nasci numa madrugada de julho de 1966, sob o signo de Câncer, com ascendente em Gêmeos; a informação só é importante porque, de acordo com certo ambiente esotérico, este tipo de conexão está presente em mapas de pessoas:

1. que apreciam o estudo da história, da psicologia, da filosofia, da linguística (vale lembrar que intelectualidade e hilaridade é combinação das melhores);

2. dotadas de uma excelente memória, pelo menos para as coisas que apreciam (e não somos todos assim?);

3. que reúnem o saber inquisitivo do ascendente geminiano ao apreço que Câncer sente pelas tradições e pelas coisas antigas; livros e bibliotecas são elementos essenciais na vida dessas pessoas (comida também, ora!);

4. que ajudam os outros com conhecimento, conselhos e informações, sobretudo porque o sofrimento dos outros as comovem – e, portanto, devem ter cuidado com gente metida à esperta (ah, mas todos precisam ter tal cuidado);

5. cujo lado mais positivo deriva de inteligência natural e da facilidade para absorver novas informações, o que lhes garante uma notável juventude espiritual (confesso que vivo!) (eita: juventude espiritual versus apreço pelas tradições... não confesso mais nada!...);

6. que precisam tomar cuidado com a dispersão, pois tendem a deter muitos talentos e correm o risco de não se aprofundar num específico (à história, psicologia, filosofia e linguística somem-se literatura, arquitetura, costura e cozinhar gostosuras: queriam o quê, as conjunções astrais?).

Juro que depois disso fiquei procurando por câmeras escondidas: só Nora e meu espelho me conhecem tanto.

Nora, sei, não seria indiscreta, mas o espelho o é - ao menos para mim: pelo bem da saúde e porque à tardinha não dá tempo, toda manhã (tentado ajudar) certa criatura me exorta a acordar mais cedo para caminhar.

Ela não sabe? Cinco da manhã é hora de son(h)o perdido-reencontrado, período entre o profundo inconsciente e o ressonar quase racional, quando e onde formas, cores e lugares – de ser, estar e sentir – se confundem e se definem; é hora de preguiça, censurável, sim – necessária, mais ainda!; é um dos únicos momentos do dia em que sou livre para amar...

Perplexa, percebo que meus insistentes e perturbadores reflexos - decerto resultantes da interação entre os três signos (Gêmeos são dois) aparentam entre o dobro e a metade da metade da idade real.

Há a moleca, curiosa de quase tudo (aos quatro anos queria ser tudo) e que estranha se o rapaz lhe cede o assento no ônibus universitário (‘Sente aqui, Dona...’) ou quando o vendedor pergunta “Em que posso ajudar, minha senhora?”; há a moça romântica, pragmática, mas sensual, nada afeita à hipocrisia, que gosta de sensibilizar mas não se furta em perturbar, que dança a noite inteira, e, dançando, não sente falta das horas de son(h)o, pois horas de dança são também tempo de amar; há a jovem senhora, considerada bonita pela maioria das pessoas que a conhecem, cuja vaidade é mais ética que estética: sente-se bela quando está feliz ou carrega um segredo bom; sente-se bem quando acessa e agradece os comentários em seu recanto e/ou elogia o que lê, e quando se delicia com tudo que vê, come, cheira, ouve, canta, sente; há a trabalhadora de idade e ideais médios, que se alegra quando intervém no que está ao alcance, se chateia à beça com a bur(r)ocracia e o reincidente desvio nos planos das políticas públicas, mas vai ao trabalho de batom, porque espécime feminino sem batom é para ser extinto, mesmo!; existe a mulher de paz, com seis quilos a mais, cabelos curtos, estatura média e paciência comprida (que acaba, se sujeita à mediocridade e ao desrespeito); há a madura mulher de humor irônico, cáustico por vezes, que pouco ataca mas defende pênaltis e vira o jogo; e tem a velha que geme de medo do futuro solitário, aí lembra de poesia e sabe que nunca será só... e se torna, de novo, a criança que será tudo.

Há ainda a mãe de Francisco, tão parecido com ela (menos na poesia, que ele não entende - embora ele, em si, seja uma poesia); tem a mãe de Vilma - passeante em terras longes - a quem não abraça há meses e com quem não fala há semanas (essa mãe espera uma ligação, mensagem, torpedo, qualquer ato de presença, porque saudade é coisa bruta e lenta, e mães são naturalmente ansiosas e frágeis); tem uma mãe que não mais acredita em acordos mas se fortalece em decência; e há a mãe de Manuela, que guarda esperanças de tudo - porque mães são assim - e, sendo Manu uma criatura que não sabe ainda que pode ser tudo, resta a essa mãe muito que ensinar e aprender.

O reflexo que menos se apresenta é o da amante, embora ame, não sabe direito se ‘ainda’ ou ‘por que’: já deveria ter acabado, a inutilidade agoniosa que faz acordar chorando, sem lembrar do sonho... essa bênção tortuosa a proporcionar o entendimento de outros amantes e outros amores, e em poesia se recompor e se reencantar. Nereida, a amante, não canta mais, tornou-se Penélope... mas esse será outro texto.

No dia 9 de julho faço aniversário; neste ano completo quarenta e cinco e, de acordo com meu avô, vivi pouco: “A vida começa aos quarenta!” (vovô João de Deus viveu lucidamente por 90 anos, marco que pretendo alcançar).

À parte o esoterismo, após cinco anos começo a compreender a criatura morena e séria que me encara dos espelhos: ela carrega a nós todas em espaço tão estreito e sem compensações, e ainda assim - ou talvez por isso - sonha melhor que eu.

Gina Girão
Enviado por Gina Girão em 08/07/2011
Reeditado em 01/10/2013
Código do texto: T3083322
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