HOMENS DESEJAM MULHERES SEM PASSADO (CARTA A GEORGES SIMENON)

Georges Simenon teria inventado o modelo perfeito da versão feminina.

"Betty-Uma mulher sem passado", livro de sua autoria, encontrava-se levemente empoeirado no canto da sessão de literatura estrangeira.. Drama daqueles um tanto complicados. Algo perto do que passara pela minha mente. Seria aquele livro o pergaminho de ouro, o livro encantado sobre a mulher que os homens procuram?

"Betty-Uma mulher sem passado"... ah, aquele título...

Dúvido que Simenon não tenha percebido o quão revelador fora tal título. Ainda se cobriu de egoismo, o danado, não deixando brecha. UMA mulher sem passado. Não são duas, nem dez, nem mil.

Ô, meu escritor, porque tanta maldade?

Você já está aí do lado de Deus, joga um lero nele, uma conversa fiada, agiliza o nosso lado, o lado dos machos malandros de integridade moral intocada, não te custa nada.

Joga algumas Bettys aqui pra gente. Se puder, enche esse mundo de Bettys. Traz logo um tsunami.

O que? A vizinha? Não inventa...

Aquela da academia? Sem condições.

Da faculdade? Piorou tudo.

Traz aquela que está lá atrás do arco-íris.

Pode ser a Drew Barrymore em "Como se fosse a primeira vez..". Serei melhor que o Adam Sandler.

Busca logo uma Marciana, então. Pode até ser verde. Vou que vou.

Poxa, velho Georges, não me olha com essa cara não. Daí de cima dá pra enxergar muito bem. Eu lá tenho culpa se os homens acovardaram?

Aquela mulher que surge indefesa e assustada, pedindo informação pra chegar ao metrô, Pois viera de cidade distante. Essa sim. Essa não tem passado. É prematura. Bateu com a cabeça e apagou todos os preconceitos masculinos. Ela não tem ex namorado que consiga estressar. Não tem amigas pra falar que ele se veste mal e bebe muito. Não oferece resistência. Ambos nasceram ali, no momento do encontro, pra início de conversa.

A mulher que mora ao lado já teria seu campo minado. É velha de guerra. Vive ao nosso redor, por vontade própria ou não. Estará perto de nós, por mais que ninguém perceba. Nem ela mesma. Não é mais acaso. É conveniência. Quando se encontram, apresentam-se por educação. Um levanta a ficha do outro em fração de segundos. Saberão nossos defeitos, e vice-versa. Se não, alguém contará. Sempre haverá alguém, não tem jeito.

Uma verdadeira fuga das mulheres-gibis, aquelas que têm história pra contar, aquelas que podem denegrir nossa imaculada imagem de macho.

Desdenhamos daquelas ao nosso lado pra procurarmos outras que podem, de repente, nem existir.

Pegar? Pode. Uma, duas, três vezes... Levar pra cama? Ô, maravilha! Criar vínculos maiores? Opa, calma lá! Você é ex do cunhado do amigo do papagaio do meu primo? Dá licença, já deu minha hora...

E desaparecemos. De ego ilibado e coração vazio.

Não nos oferecemos por medo de reações. Às vezes por receio de pessoas que nem conhecemos. Colocamos o orgulho na frente do amor. Assumimos certos medos por demais desnecessários.

Assumir um compromisso é prestar contas com o futuro. Jamais com o passado.

Preocupar-se com o que ainda não aconteceu e quiçá, nem acontecerá, é pura falta de ocupação. Não deu certo? Não deu, oras. Alguém por aí já ouviu falar em amor sistemático?

Ô, Georges, Georginho se já me permite, desculpe perturbar seu sono eterno. Perdoe-me por aludir sua Betty às minhas Bettys. Juro que foi só um desabafo. Morreu por aqui.

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