COLCHA DE RETALHOS

Já tentei comprar uma agenda e utilizá-la para organizar minha vida. Queria ser assim, como todo mundo, e andar com ela embaixo do braço anotando tudo o que for necessário para que eu possa me entender. Só que isso, em se tratando da minha pessoa, não é possível. Aliás, é inviável.

Não que eu seja a rainha dos compromissos. Ao contrário, minha vida é uma maré mansa. Basicamente, tudo se resume em acordar às 07h00min, pegar o ônibus às 8h, estar no trabalho às 08h30min e lá ficar até às 18h, com intervalo para o almoço, evidentemente. Depois disso, esperar o transporte para a universidade, entrar em aula às 19h15min, sair às 22h30min, voltar ao transporte, chegar em casa perto das 23h:15min, jantar, conversar, dormir. Bem, se consegui descrever toda a minha rotina em um parágrafo, imaginem a barbada que seria fazê-lo em uma agenda! Não, pensando melhor, não imaginem. Pois é na imaginação que mora o problema.

Tudo seria muito simples se eu fosse capaz de seguir o que planejo. Acordar às 7 da manhã? Abrir os olhos pode até ser possível, mas sair da cama é outra história. De uma etapa pra outra lá se vão vinte ou trinta minutos, o que reduz o tempo entre botar o pé pra fora de casa e pra dentro do ônibus. Ônibus? Nem preciso dizer que esse já passou há quinze minutos. E começando assim o dia, o que se pode esperar do resto?

No trabalho, a coisa segue o mesmo ritmo. Várias tarefas para fazer assim que chego, mas quem diz que encontro minha cabeça? Ela vive vagando por aí, repassando a aula de ontem, se preocupando com a prova de amanhã, desvendando o sonho misterioso que tive durante a noite, imaginando se a blusa que vi naquela vitrine combina mesmo com a saia azul-céu com bolas rosa-pink que tenho há dois anos no armário e nunca usei, coçando para que eu escreva de uma vez um texto que não sai de dentro dela.

Já nas noites em que tenho que ir para a faculdade a aventura varia (sim, porque minha imaginação faz da minha rotina um filme de ação digno do Vin Diesel). Meu estado de espírito é uma incógnita até pisar em sala de aula e olhar para o rosto do professor. Conforme for a expressão do semblante, acaba ali. Se for um dia de mal com a vida, até fico, em nome da autopunição. Se o namorado também estiver por lá... Hum... Neste caso é impossível prever os acontecimentos. E ainda tem o final - de - semana, onde tudo - ou nada - pode acontecer.

É claro que alinhavando esses retalhos estão as leituras, os escritos, os telefonemas, os encontros, os cinemas, os jantares, a família, os amigos, os momentos sozinha, as euforias, as depressões, as TPMs, os estudos, os momentos assistindo programas nada a ver na televisão, os momentos não fazendo simplesmente nada, os momentos pensando no monte de coisas que devem ser feitas, a internet com seu orkut, msn e otras cositas más, as conversas infindáveis com a irmã, os chamegos infinitos com o amor, a oficina com o Walter Galvani, os sonhos, os planos, as idéias, o riso, o choro, as vontades, a falta delas, os pensamentos que atrasam o sono e não me deixam dormir e que consequentemente não me deixam acordar na sempre almejada (mas nunca alcançada) 7 horas da manhã, dando reinício ao inesgotável ciclo de emoções que é meu existir. É, até que saiu uma colcha bonitinha.

E, ao final, eu pergunto: como colocar tudo isso em uma agenda? Como confirmar horários, definir datas e programar ordenadamente a magnífica existência de um ser livre e pensante num mundo intenso e pulsante como é o nosso, sem esquecer de nada?

No máximo, nas linhas em branco esperando serem preenchidas, anoto minhas contas. Mas essas, por favor, são tudo o que eu não quero lembrar.

Mulher de Sardas
Enviado por Mulher de Sardas em 04/07/2005
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