PILHA GALINHAS

PILHA GALINHAS

Eu pecador me confesso titular do título, o que se parece um pleonasmo, que me absolvam os puristas, mas não emendo a mão. Aliás os puristas estarão em minoria entre os que lêem e até tal

vez entre os que escrevem.

Mas voltando ao título que assumi à cabeça, quero neste discurso branquea-lo; termo em voga, embora mais adequado às matérias financeiras. Na matéria de aves de capoeira o crime é desclassificado e não dá ao autore o estatuto de grande figura ou figurão, vedeta e até actor no palco mediático.

Um pilha galinhas não tem crédito em lado nenhum, as câmaras nem o captam,é o último dos humanos, e eu passei por isso na clandestinidade.

Claro que tive cúmplices na arte, e eu não era perito, nem cabecilha, embora tenha assumido a liderança em uma o duas sortidas.

As férias na aldeia eram longas nesse tempo. Só no início de Outubro abriam as aulas, e para os universitários só lá para o fim, o que lhes dobrava o tédio e a pasmaceira já sofrida em dias sem imaginação, ou cinzentos ou chuvosos prometendo Inverno.

O Algarve ainda não existia, como hoje, com praias, bares discotecas e outras coisas mais, embora já tivesse sido conquistado aos mouros, há sete séculos, perdia-se para para os ingleses desarmados mas com libras.

Permanecia ainda assim outro reino de um país camponês.

Estes estudantes mas apenas alguns após uns banhos nas praias do norte voltavam á terra natal, aguardando as aulas, tendo no entretanto de inventar aquilo a que hoje chamamos o laser, ou seja ocupar o tempo, o que passava por uns passeios ao rio ou á serra com ou sem pic-nic, mas com as meninas; o supremo encanto das merendas.

As meninas estudantes ou nativas mais difíceis eram arrancadas aos pais graças á intervenção de tias primas e amigas que lhes incutiam confiança nos bons rapazes que nós eramos.

Para os bailaricos particulares, os mesmos embaixadores se encarregavam de obter o aval dos pais mais renitentes que cediam, às vezes impondo a presença da mãe da moça.

Ao fim e ao cabo e apesar do tempo da moral e bons costumes, acabavam por vir todas as convidadas. As aparências tinham um papel fundamental.

Tardes inteiras esgotavamos no futebol quase diário em partidas daquelas de mudar aos dez e acabar aos vinte, com o plantel disponível à semana. Onze de cada lado, como manda a regra é que só ao domingo. A rapaziada da terra trabalhava e no duro, na terra mesmo, de sol a sol muitas vezes, e nós estudantes, previlégio no tempo, tinhamos férias a mais. Não que por vezes um ou outro estudante não fose requesitado como reforço na arranca da batata, o que em Setembro quando ardem os montes e secam as fontes os deixava arrasados, negros da terra e do Sol, e sem pernas para a bola.

Jogos intermináveis, saborosos, sem árbitro, acabavam por vezes porque a bola se ia sumindo cada vez mais profundamente com o cair da noite. Quando árbitro existia, não tinha autoridade, ou então era expulso e jogo continuava em perfeita democracia... ou anarquia. O resultado nunca era concludente. Faltas, penaltis, bola fora, tudo era resolvido em ruidosos debates mas sobravam dúvidas para além do jogo. Não estavamos longe dos dias que correm, com federações, juízes, formados e um ror de dúvidas a sobrar na mesma.

Se o trabalho sazonal fosse vindimar, eramos todos voluntários, porque elas também eram e aí o futebol perdia prioridade ante a vindima. Esta era mais doce e mais alegre. O único risco eram as picadas das abelhas, mas que me lembre não era óbice nem ninguém tinha alergia, nesse tempo, nesse bom tempo.

Visto á distância parece-me hoje que todo o encanto estava no segredo de ter vinte anos sem saber.

A nossa “Marquesa de Alorna”, senhora brasileira sem o ser, protectora da rapaziada, promotora de saraus, com poesia canto e bailaricos ao som de velha vitrola de campanula e agulhas a arranhar tangos, valsas, pasodobles, sambas e boleros, vivia embebida de um romantismo que arrastava pelo tempo em que já os Beatles, soavam na rádio.

Os dias estivais assim se iam passando, mas à noite faltavam argumentos e então surgia a ideiade de transgredir. O crime de pilhar galinhas era o mais acessível para estudantes amadores em delitos e sem projectos de fazer carreira marginal.

Assim nos tornamos pilha galinhas, mas cheios de ética, com um código deontológico delicado; trangredir sim, mas com dignidade, prevaricar sim, mas sem excesso de adrenalina, até porque apenas usavamos vinho ou cerveja, e após a prática do crime, este não era um crime perfeito senão quando o churrasco exalava um cativante aroma excitante de um apetite aguçado no decorrer da noite e da aventura e a “quadrilha” no tugúrio do BAR E MEIA , consumava o banquete.

O nosso anfitrião,sapateiro, solteirão e típica figura, agora se diria um “cromo” adorava estas ceias onde esquecia a solidão da sua vida e se sentia mais jovem.

Sem este solteirão não teriam existido estes pilha-palinhas das brumas da juventude.

P. S. - Todas as aves vitimadas eram pertença de galinheiros ricos; da nossa mecenas dos saraus, da madrinha de um dos nossos, das marquesas da Casa Grande e assim.

Nunca as pobres galinhas dos pobres sofreram beliscadura

Para que conste às gerações futuras.

Arbogue
Enviado por Arbogue em 15/07/2011
Código do texto: T3097836
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