A despedida

Deitei-me a pensar em ti, em quantas vezes te imagino, te sinto perto de mim, mesmo que não te veja, que não tenha aquele abraço carinhoso nem aquela voz meiga a chamar pelo meu nome.

Nunca pensei que pudesses deixar-me tão cedo, sendo eu apenas uma das muitas miúdas que desconhecem a vida por completo, e até mesmo a morte.

Quando perguntei por ti responderam tristemente que tinhas morrido, e eu, na mais pura da minha inocência desconhecia esta palavra e as consequências que daí advinham. Desconhecia que nunca te poderia ver, ouvir, tocar, beijar, desconhecia que teria de passar toda a minha vida com a tua ausência…

Não percebo! Quem é esta gente? De onde vêm estas pessoas que nunca vi na vida? Porque vêm falar comigo, com esta cara triste, de solidariedade? Porque me dizem quase sempre o mesmo? Pêsamos, que é isso?

Num rompante fiz um gesto brusco e agressivamente retirei a mão de uma mulher que diziam ser da minha família. Detesto que me mexam no cabelo! Não te conheço!

Levaram-me àquela minúscula igreja desconhecida…o caixão não me sai da memória, mas o pior não era isso, eram todas aquelas pessoas desconhecidas que lacrimejavam sem cessar, como se cada fosse directos de uma fábrica de lágrimas que explorava os trabalhadores, nunca lhes dando férias, nunca tendo direito a uma pausa. Esse som abafado de desabafos, choro, envolvido com o do piano que apenas tocava músicas pesarosas. Para além disso, aquele cheiro horrível, enfadonho, aquele odor a madeira velha que rangia por todos os lados misturado com o das velas que ardiam vigorosamente. Este cheiro nauseabundo que me fez sair para não começar a vomitar.

Saí, mas não fui embora, queria ver o que se seguia…O que era isto?

Permaneci do lado de fora daquela pequena igreja que nunca tinha visto. Foi quando começou a chover, pingos grossos, pesados, que caiam velozes de um céu negro, cinzento.

Comecei a ver a ver aquele cortejo de chapéus-de-chuva, todos em romaria seguindo um carro vidrado repleto de flores.

Segui também no cortejo e obrigaram-me a avançar e ficar nos lugares de primeira fila, logo depois do carro. Quando cheguei ao destino é que percebi o que tinha sucedido. Conhecia aquele lugar, costumávamos lá

ir levar flores a alguém muito especial que nunca cheguei a conhecer.

Era a casa das numerosas pessoas que se tornavam estrelas no céu. Começou o desespero, o choro, os gritos. Tu preso naquele caixão, e eu presa nos meus sentimentos e recordações de ti…

Avancei para aquele espaço aberto e atirei uma das rosas brancas que levava nas mãos. Mais um grito… Apetecia-me fazer aquela viagem contigo!

Tentei seguir o teu corpo, porém, sem sucesso devido aos braços que fortemente me prendiam. Deixem-me ir! Logicamente não deixaram, não me largaram um só segundo e as memórias, esse pequeno flash de pensamentos que aparece e desaparece como se nunca tivesse ocorrido, persegue-me para onde quer que eu vá.

Hoje, deitada, nesta fria e ventosa noite que não deixa de fazer esvoaçar os meus cabelos, sinto que estás comigo, presente em todos os meus dias, participando nas minhas conversas, sentado ao meu lado neste pequeno alpendre com vista para o mar. Com um livro fechado no colo olhando fixamente as ondas que se agitam, que vão e vêm em movimentos ritmados. Imagino-te e por vezes até sou capaz de sentir aquele cheiro doce que tinhas, que só um pai poderia ter, aquele sorriso.

E apenas isso me acalma, porque me faz sentir bem, porque tu estás bem, porque nesta noite te vi, senti e sorri contigo, junto ao mar, estiveste comigo.