A rede está presente na vida do nordestino do início ao fim. Do nascimento à morte. Logo que vim ao mundo, foi numa rede que minha mãe me embalou. O ranger dos punhos no armador misturava-se a cantiga de ninar que ela entoava, uma longa cantiga sem pé nem cabeça, só coração.
         Junto comigo cresceu minha paixão e intimidade com a rede. Rápido aprendi a desfrutá-la como brincadeira. E lá estava eu a usá-la como gangorra. O subir e descer me encantava... Daí evoluí para manobras mais ousadas. Dessa vez fechava as varandas da rede sobre meu corpo, formando um pacote. Com um impulso, emborcava a rede. Com o balançar meus olhos passavam rente ao chão num desafio ao perigo. Quanto mais alto e mais rápido, mais emocionante. Pouco fazia das advertências da mãe preocupada com o perigo. Queda de rede, segundo ela, era fatal.
          Bem, a rede tem que ter pano de tear para que o corpo se amolde e seja envolvido e aconchegado com docura. A suavidade deve estar presente. Os punhos deverão ser feitos à mão, de preferência no colo daquelas sertanejas  hábeis em parir redes.
        As cores... Há as cores... Deverão estar de acordo com teu momento. Se tua vida está iluminada, arma uma rede rubra, de varandas de crochê, e terás avivada tua luz. Se, no entanto, teu momento é de recolhimento, deita-te numa rede cor do infinito. Da varanda de macramê faz teu cobertor. Ela te aninhará e respeitará teu desejo.
        Cresci e logo comecei a ver a rede com outros olhos. De brincadeira, passei a ve-la como ninho de amantes. O côncavo do pano colando os corpos, fundindo cheiros, impedindo que se afastem um do outro, dois em um, forçosamente. E mil pensamentos ocorrem, mil formas, mil junções, mil pecados abrigados na rede.
          E a rede segue seu trajeto, sempre presente, sempre estendida, armada a esperar um uso qualquer do inocente ao pecaminoso.
         Falei da rede aconpanhar o nordestino do nascer ao morrer. Pois é. No interior, os pobres levam seus mortos numa rede.
        E, para ser sincera, quem me dera adormecer meu último sono numa rede branca de varandas tão longas que lambessem o chão... Poderia até ter cheiro de jasmim-vapor. Quem sabe eu emborcasse e conseguisse ficar olhando lá do alto quem tinha ido comigo no meu derradeiro passeio...