TURQUIA: DEZ DIAS SEM ROUPA

TURQUIA: DEZ DIAS SEM ROUPA

Com uma saraivada de incrédulos amigos questionando insistentemente, com a frase “Por que a Turquia?” enroscada na garganta, finalmente embarcamos para lá, minha esposa e eu. Treze horas de voo direto a Istambul, após a verdadeira e quase invencível muvuca no aeroporto internacional de São Paulo. A impressão que se tinha é que metade da população da nossa cidade de quinze milhões de moradores queria embarcar para algum lugar naquele mesmo dia, local e horário!

Final de junho, 2011. Fomos pela Turkish Airlines, voo noturno, e, praticamente no mesmo horário, minha sogra e minha cunhada embarcaram para Lisboa pela TAP. Fui acompanhá-las ao chek-in e despachamos todas as malas, duas pela Turkish e duas pela TAP. Em Istambul, fomos recepcionados pela simpática representante da nossa agência de viagem e encaminhados a nosso hotel.

Antes de mais nada, um passeio pelos arredores do hotel, contato com a cidade. Em seguida, voltamos ao hotel para um banho. Quando abri minha mala,... calcinhassssssssssssssssssss! Caracaaaa! Troquei as malas. Despachei a minha para Lisboa e trouxe a da minha querida sogra para Istambul! Foi aí que realmente me dei conta: é muuuuito difícil para um vivente se livrar de uma sogra!

Recomposto do trauma, concluí: ora, no quesito roupa, a vida do homem é bem mais fácil e suave do que a da mulher. E definitivamente eu não poderia usar as calcinhas e sutiãs da sogra. E calcinha, no caso, é modo de dizer, a sogra tem oitenta aninhos e já se sabe que tipo de calcinha usa! Verdadeiras calçolas, como dizem em Portugal. Aliás, lá eles dizem cuecas para calcinhas. Mas... eram calcinhas!! Portanto, tanto faz o modelito delas, eu não usaria qualquer que fosse o tipo!! Comprei umas quatro camisetas, uma bermuda, quatro pares de meia, duas cuecas e passei os dez dias garbosa e gloriosamente. E estupefato também.

Estupefato de verdade! Agora posso dar a resposta aos incréus! Meus amigos, confesso: minha ignorância geográfica e também a histórica não permitiam que eu percebesse, a não ser in loco, como a Turquia é um dos berços da História da Humanidade. Ficando 97% na Ásia e 3% na Europa, é claro que as antigas batalhas mundiais por conquistas teriam de ocorrer mesmo em grande parte do seu território-ponte entre leste/oeste, ou, se preferir, oriente/ocidente.

Uma parte da Mesopotâmia, por exemplo, ficava (e fica) em território turco, aquela região entre os inesquecíveis rios Eufrates e Tigre. A Éfeso dedicada à deusa Artemisa, importantíssima da era clássica, cidade que minha ignorância colocava na Grécia, também fica na Turquia, embora fundada mesmo por gregos. Nem quero falar de Troia. Como as cidades daquela época eram cidades-estado, cada uma com seu rei, nossos livros de história e geografia não informam com precisão a localização das que desapareceram. É o caso de Troia. Minha imaginação a colocava sempre na própria Grécia. Mas ela fica mesmo na atual Turquia. Lá está também a Casa da Virgem Maria, onde se acredita que Ela viveu os últimos dias de sua vida. Enfim, até o Monte Ararat, onde está a milagrosa Arca de Noé, fica em território turco! Quer mais?!

De Istambul, uma cidade pujante de doze milhões de habitantes, 98% dos quais com o DNA do negócio  quantas “lujinhas”, meu Deus , a Çanakkale, um percurso de 3.700 quilômetros, nunca vi tanta torre de igreja na minha vida! Torre no caso aqui são os minaretes das mesquitas, milhares de minaretes, já que a maioria das mesquitas tem dois, mas há as que têm quatro e a maior de todas, com seis minaretes, a Mesquita Azul!

As cidades turcas respiram comércio e serviços. O Bazar das Especiarias ou Bazar Egípcio é uma festa! Cheiros e aromas, com algumas “lujinhas” de bijuterias pelo meio. O Grande Bazar não deixa por menos, quatro mil lojas amontoadas num pequeno espaço, formigueiro, o preço é você quem faz, venda, venda, venda, compra, compra, compra. Uma festa para as mulheres! Sem machismo!

Não nos esqueçamos do Bósforo, passagem do boi, um estreito que separa a Istambul asiática da Istambul européia, ligadas por duas pontes que cruzam esse estreito. E curiosíssimo é o “Corno de Ouro”, sem qualquer alusão ao que ou a quem quer que seja. É “Corno de Ouro” porque o braço do mar de Mármara que invade Istambul (antiga Bizâncio, depois Constantinopla) termina em forma de chifres e com o sol batendo fica absolutamente dourado. Logo: “corno de ouro”! Aliás, muito antigamente, havia uma barreira flutuante entre o Corno de Ouro e a Torre de Cristo (hoje Galata Tower, linda, com um restaurante e show de dança do ventre e musical no topo), para evitar a aproximação de embarcações indesejadas. Também nem vou falar da delícia que é o contato com o histórico Mar Egeu, no qual percorreram grandes levas de naus guerreiras!

Visitas indispensáveis, nas várias cidades visitadas (e vou citar por ordem de memória, pois o melhor que se faz é visitar esse pujante país e descobrir por conta própria suas belezas arrepiantes!): o mausoléu de Eyup, o museu Kariye, a antiga igreja São Salvador de Chora, o famosíssimo otomano Palácio de Topkapi, a imponente Basílica de Santa Sofia, o magnífico Museu das Civilizações de Anatólia, chocante exposição de peças arqueológicas da história de hititas, assírios, frígios e outros provos; o Mausoleu Mustafa Kemal Pasha, o Atatürk (pai dos turcos), o fundador da República Turca, em 1923.

Na Capadócia, é imperdível o passeio de balão, quase uma hora sobrevoando as impressionantes formações naturais, verdadeiros castelos que foram realmente habitados. Em Konya, o Museu de Mevlevi. Em Pamukkale, que quer dizer “castelo de algodão”, outra obra da natureza formada por nascentes de águas quentes e calcárias, dando a impressão de longe que são montes com neves ou algodão. Há também o Vale do Göreme e suas igrejas “naturais” lindíssimas.

Agora um parágrafo à parte: as ruínas de grandes cidades do passado. Você se arrepia ao entrar já na primeira delas, a Hierápolis (hiero em grego é sagrado; polis é cidade). Em Éfeso, você pensa que atingiu o máximo do seu prazer e se sente transportado para a época da pujança dessa esplendorosa cidade da era clássica grega, mas que fica na Turquia. E culmina com a visita ao local onde se travou a magnífica batalha de conquista de Troia, guerra de 10 anos, com uma réplica do cavalo. Pena não se encontrar ali a própria Helena, de beleza incomparável, esposa de Menelau, “causadora” da guerra de Troia! Nem uma estátua dela sequer! Em todas essas cidades, as ruínas impressionam profundamente!

Da língua,... bem... da língua nem ouso falar. Embora usem o nosso alfabeto latino, eles têm algumas curiosidades interessantíssimas, como a cedilha sob o S também, por exemplo. Duas palavrinhas, Giris e Çikis, entrada e saída, têm cedilha sob seus SS, o que provoca a pronúnica chiii. E a língua turca deve ser o paraíso do trema e a vingança dele contra a nossa língua: vi uma palavra com quatro tremas: müdürlügü! Nem me pergunte o que significa, mas os tremas estão no paraíso sobre ela. E mais: há trema sobre o O também, como em Göreme. Viu, língua portuguesa!? Acabamos de receber uma banana irônica do trema!

Se você tiver oportunidade, visite a Turquia. Se você for uma pessoa sensível, se sentirá contraditoriamente no século XXI e nos anos dois mil antes de Cristo. Mesmo que você perca a mala pelo caminho e fique sem roupa por lá. Essa visita não tem preço! Quer dizer...

Prof. Leo Ricino

Julho de 2011

Leo Ricino
Enviado por Leo Ricino em 21/07/2011
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