SERIA TRÁGICO SE NÃO FOSSE CÔMICO.

Dirigi calada todo o percurso, o único som que se ouvia eram tosses por causa da poeira da estrada de terra que seguíamos. Vez ou outra mirava de soslaio para minha amiga que estava introspectiva. Depois de longos quarenta e três minutos o silêncio foi quebrado.

— Pare o carro. É aqui que vou me matar. Ela se virou para o banco de trás tirou uma arma de dentro da bolsa, também um bloco, uma caneta e esperou que o carro parasse.

Descemos e caminhamos lentamente, sentamos em uma pedra, ela colocou a arma no chão, me entregou o bloco e a caneta. Evitava me olhar. Começou a ditar umas palavras.

— Por que não tá escrevendo o que tô ditando?

— Sou uma escritora lembra? Gosto de criar meu próprio texto. Não foi para isso que me chamou, para criar sua carta de despedida.

— Então comece, quero ler. Estou com pressa de morrer.

— Acho melhor você se matar primeiro, daí o texto fica mais real.

— Não vou cair na sua conversa não, vou me suicidar e pronto. Levantou decidida, mas a arma permaneceu no chão, andou um pouquinho.

— É aqui.

— Não acho um bom lugar, está na sombra. Fica mais bonita no sol, se ilumina. Vai dar uma linda foto de você morta alí.

— Sei que quer me convencer, mas não tô nem escutando o que tá falando. Fiquei calada segurando o bloco, ainda não tinha me levantado.

— Ok... Tô curiosa, foto para que?

— Para o meu livro, “ Garota linda, jovem, com uma vida longa pela frente se suicida por...”.

— Lá vem você com sermão.

— É sério, este tipo de história vende bem, e uma foto sua na capa: fama na certa!

— Não vai me perguntar por que quero me matar?

— Somos amigas, já conheço seus problemas de trás para frente.

— Mas pensei que fosse me falar daquele jeito que escreve, cheio de palavras difíceis, tentando me provar que vale a pena viver.

— Estou sem inspiração vou deixar para gastar no meu livro.

— Então estou decidida, vou me matar para você ficar famosa com seu livro.

— Assim não funciona, vai parecer cascata, suicídio é coisa séria, tem que ter um bom motivo.

— Que motivo leva ao suicídio?

— Renunciar-se. Deixar de se amar. Perder totalmente a fé.

— Mas não tenho mais motivo para viver... Você é o gênio, pense em alguma coisa.

— Hum... Vai perder a dança dos famosos no Faustão.

— Meu Deus, tenho mesmo que me matar. Tá economizando de verdade para o livro ou tá querendo dizer que vale viver pelas pequenas coisas?

— Tá. Não foi profundo, mas foi engraçado. Estávamos novamente sentadas e rindo juntas.

— Como consegue isto! Acordei tão deprimida e me sinto agora mais leve.

— Eu sou criativa.

— E convencida! Mas... se não me matar, não terá história para o seu livro.

— E se morrer... quem vai ler o meu livro?

Lilia Costa
Enviado por Lilia Costa em 22/07/2011
Código do texto: T3111025