ÀS VEZES

    Tudo o que escrevo começa com “às vezes”.  Às vezes não começa, mas é só esperar que você vai ver “às vezes” aos montes. Quando não está explicito, com certeza está nas entrelinhas. Porque “às vezes” é a expressão que melhor retrata a vida, o tempo, a gente... “Às vezes” é uma expressão tão potente que a gente repete, repete, repete e o leitor nem liga... Só às vezes, mas tudo bem. Isso prova que até o leitor acha “às vezes” importante. Pois até quando o leitor às vezes se irrita com a nossa repetição do “às vezes”, isso acontece por pura falta de paciência ou por excessivo rigor gramatical. Nunca é por causa do “às vezes” em si. Até porque a vida do leitor na realidade é tão cheia de “às vezes” quanto a nossa. Nós às vezes exageramos, é verdade, porém o que fazer? Todas as coisas que sempre vão parar no papel acontecem na vida às vezes. Todos os sentimentos que se vestem de palavras para dar uma desfiladinha na passarela de papel, são ocasionais. Às vezes nada chega ao papel. Por quê? Porque às vezes nada se sente... Porque às vezes nada acontece... Porque às vezes o “às vezes” desaparece. Como agora... Estou ansioso para escrever e a única coisa que aparece é a constatação de que tem muito “às vezes” no texto, tem muito “às vezes” na vida... E ocorre o inusitado: estou sem nada pra escrever, mas me pego como nas outras vezes, naquelas em que se tem muito a pôr no papel. Passo então a escrever sobre a presença do “às vezes”, mas mesmo que eu estivesse escrevendo sobre a ausência dele, para isso precisaria dele, por isso não me incomodo nem um pouquinho em repeti-lo, senti-lo e até louvá-lo...

    Às vezes as palavras, as expressões, são tão vivas que a gente se sente miúdo perto delas. Sinto-me quase morto perto da vida que sinto no “às vezes”. Podem reparar, ele aparece muito... Em muitos textos, nas poesias, nos textos acadêmicos, nas crônicas, nos contos, todos são cheios de “às vezes”. Acho que se todos nós nos entendêssemos com os nossos “às vezes” seríamos mais vivos... A vida é “ás vezes”. Às vezes sim, às vezes não, às vezes mau, às vezes bom, às vezes alegre, às vezes triste, às vezes eu, às vezes tu, às vezes ele, às vezes nós, às vezes... Sempre às vezes, às vezes sempre.

    Mas não é sempre que se reconhece a importância do "às vezes". Eu mesmo há muito tempo me incomodo com a grande quantidade de “às vezes” em meus textos, porém só agora escrevi sobre ele, justamente porque às vezes nada há a ser escrito. Espero que ele me perdoe por ter demorado a transformá-lo em assunto. Espero que ele não se zangue e que não desapareça dos meus escritos porque sem “às vezes” não há entradas para a vida no papel. O “às vezes” é por onde a vida entra. É! Tudo o que acontece acontece às vezes. Nada acontece sempre a não ser o “às vezes”. “Às vezes” acontece continuamente, embora muita gente não queira que seja assim.

    Agora, todas as vezes que eu escrever, acho que vou me lembrar disso: posso até me cansar do “às vezes”, mas só às vezes, não sempre... Eu não tenho esse direito. E você, leitor, que às vezes lê, às vezes não, às vezes sente, às vezes não... Espero que possa, pelo menos às vezes, se lembrar desse momento insólito em que o “às vezes” foi colocado diante de você finalmente com o respeito que ele merece. Afinal, recusar o “às vezes”  é recusar a vida em sua mais íntima face. Eu chego a ponto de afirmar que todas as religiões, filosofias, ciências, todos os sábios, os malucos, os românticos, todos sem exceção, não sei por quê, sonham em descobrir ou inventar o sentido da vida. Só que eles são complexos demais: perguntam muitas coisas e respondem mais ainda. Eu, como não quero pensar demais, leio a pergunta deles bem alto: A VIDA TEM SENTIDO? E respondo baixinho: às vezes!