"TEREIS O ENTENDIMENTO DE MEUS VERSOS".

     Camões é, sabiamente, o poeta máximo da língua portuguesa e pertence, a par de Dante, Cervantes, Shakespeare, Goethe e poucos mais, ao pequeno grupo de gênios que, por si sós, valem toda uma literatura. Ao lado da parte épica de sua obra, consubstanciada n'Os Lusíadas, avulta a parte lírica, com a qual a sensibilidade moderna parece afinar melhor do que com a “fúria grande e sonora” do cantor das glórias marítimas de Portugal. A lírica camoniana é de uma riqueza surpreendente: nela se amalgamam e se iluminam mutuamente, na superior unidade da obra de arte, o popularesco e o erudito, o sensível e o intelectivo, o sensual e o ascético, o vivido e o imaginado, a dor e a alegria de viver. Suas redondilhas, sonetos, canções, elegias, éclogas, sextinas e oitavas testemunham a profunda experiência interior de um homem que soube viver intensamente e expressá-las com uma beleza que raras vezes se encontrará, tão vigorosa, na obra de qualquer outro poeta.

     Eu tinha menos de vinte anos quando assistia às aulas de teoria literária e de literaturas brasileira e portuguesa. Além do lirismo, Camões fascinava-me pelo estilo rebuscado, a inversão da ordem natural da frase, o que obrigava a todos a uma análise apurada, um exercício sintático/morfológico desafiador. Necessário era colocar todos os versos na ordem direta e, quando surgia uma dúvida normativa a professora Branca Bacar carinhosamente nos dizia: “Gramática vocês estudaram no secundário; agora ponham-na em prática...” Mas, com um doce sorriso logo nos acudia.

     “Camões é foda”, dizia o irreverente Agostinho. Mas eu o advertia dizendo: “Não, você está a confundi-lo com Bocage. Hoje sei que muito do “pornoerotismo” Bocageano é lenda. E como não é sobre ele que estou a escrever, retomo o tema.

     Camões está além d’Os Lusíadas. Maior é a epopéia da sua vida e obra. Camões é um monumental soneto. Conhecer o soneto para amá-lo, amá-lo para entendê-lo. Esse apelo Camões assim o fez:

Enquanto quis Fortuna que tivesse
Esperança de algum contentamento,
O gosto de um suave pensamento
Me fez que seus efeitos escrevesse.

Porém, temendo Amor que aviso desse
Minha escritura a algum juízo isento,
Escureceu-me o engenho co tormento,
Para que seus enganos não dissesse.

Ó vós, que Amor obriga a ser sujeitos
A diversas vontades! Quando lerdes
Num breve livro casos tão diversos,

Verdades puras são e não defeitos;
E sabei que, segundo o amor tiverdes,
Tereis o entendimento de meus versos.


     Ora (direis) leitores que narizes para os sonetos torcem: “Que pretensioso!”
    
     Assim me desculpo:

AO SONETO

Soneto és tu brasão do Classicismo
Da Acrópole o pendão de Ovídio e Homero
O culto d’arte, o verso com esmero
Herdou Bilac o bom Parnasianismo.

Se Lord Byron o fez no Romantismo
Assim o fez Ravel com o seu Bolero.
Soneto és tu meu culto, eu também quero
Professar o teu nome ao meu batismo.

Horácio eu nunca fui, nem sou Pompílio,
Nem ao credo de Petrarca eu me confesso,
Pois que não sou um poeta panteista.

Só um Deus me fez poeta, um vate Hermílio
E a ti e a Ele em verso é que eu peço
Perdão se ainda não sou um sonetista.

(HERMÍLIO).


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LordHermilioWerther
Enviado por LordHermilioWerther em 25/07/2011
Reeditado em 10/11/2013
Código do texto: T3118415
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