Flores no caminho

Flores no caminho

Há muito tempo eu não andava lá pelos lados da usina. Fiquei assombrada com as maravilhas que com o tempo brotaram pelos caminhos, antes tão sombrios e penosos. Nos meus tempos de menina, passei milhares de vezes pela estrada que levava à vila que havia ali e onde meus avós moravam. Era o meu passeio predileto. As jardineiras iam de hora em hora, fazendo o intercâmbio dos moradores da vila com a cidade, entre compras e visitas, idas e vindas da escola. Os trabalhadores tinham transporte próprio, nas carrocerias de caminhões lotados, segurando os postes de madeira que tanto serviam para o transporte de vidas, quanto da cana. Era um verdadeiro rebuliço, principalmente no final do dia, quando a sirene tocava, e todo mundo queria correr para casa. Não me esqueço do cheiro que havia no ar, mistura de suor e vinhoto, das águas barrentas que cortavam a vila, do esgoto que corria nos córregos que ainda existiam. Mas eu gostava. Me sentia feliz no colo da minha avó, uma velhinha franzina, com seus vestidos de estampa escura e miúda, chinelos de pano e o cabelo preso por grampos, enrolados atrás da cabeça. Nunca vou me esquecer das delícias que ela fazia para me esperar: doce de ovos, de batata doce, pé-de-moleque e pudim de queijo. Tinham um sabor diferente, que os doces de hoje não têm mais. Ou talvez, o crescer tenha me tirado a essência no paladar com o passar dos tempos. A vila hoje não existe mais. Nem a casa dos meus avós. Foram destruídos depois de uma greve dos canavieiros, em luta por melhores condições de trabalho. Eram centenas de casas, que de um dia para o outro, forma destruídas por tratores, que enterraram os tijolos, as lembranças e as histórias, que se eu pudesse, queria reunir num livro, para que a juventude de nossa terra conhecesse as cicatrizes que marcaram o nosso progresso, mas que hoje, pouca gente conhece. Muitos dos que ali viviam, se foram. E dos que ficaram, a lembrança deve causar dor, porque esse tempo ficou fechado num parêntese de nossa história. Agora os tempos são outros, como os caminhos que nos levam até lá... cercados de buganvilles, coloridos e cheios de flores, o caminho para a usina é quase um túmulo de lembranças. Machuca quando a gente remexe o passado. Talvez seja melhor fixar o olhar no progresso e no futuro que a indústria de hoje nos traz.

maria do rosario bessas
Enviado por maria do rosario bessas em 02/08/2011
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