O magnífico ordinário

Dia desses, colecionei pelo menos umas cinco conversas em que as pessoas desabafavam insatisfação. É que quando se ultrapassa o papo superficial no qual todos alegam que “está tudo bem”, restam geralmente duas possibilidades: relevar um acontecimento incrível ou reclamar da vida. E, para a nossa má sorte, apenas a primeira opção é rara.

Parece que a sociedade nos cria como seres sedentos do bom extraordinário. A cura da AIDS, uma longa viagem, ganhar um carro 0km. Um cenário que automaticamente condiciona a humanidade a ficar de pirraça contra o normal. Porque na hora de contar as novidades, ninguém se anima a dizer que passeou no parque e comeu um bom hambúrguer. A respeito dessa simples felicidade, a maioria prefere reduzí-la ao “isso não é nada demais...”.

O perigo está em nunca rebater esse costume no qual apenas o grande satisfaz, enquanto qualquer pedrinha já nos deixa um tanto triste. Isso tira a mágica do mundo, sempre cheio desses mini-encantos que a gente ignora. Um papo agradável na pausa para o almoço ou perceber o pôr-do-sol quando se está preso no trânsito é frequentemente sufocado pela parte do dia em que o chefe falou mais alto e a “Hora do Brasil” tirou a música da rádio.

Pior ainda é achar que é necessário um grande evento para você se reinventar. Como se somente fosse possível iniciar dietas nas segundas-feiras, ou estabelecer metas quando se está na vibe da virada do ano, porque sem isso não há energia para começar – falta emoção, aquela música impactante que torna as situações mais poéticas e poderosas, capazes de mudar o rumo do kosmos a seu favor.

Isso é subestimar o valor do ordinário. Desprezar os muitos “agoras” cheios de potencial para serem marcantes, enquanto se sonha com os raros momentos “bombas-atômicas”. Em outras palavras, cria-se as bases para um futuro ranzinza, com muitas rugas de mau humor e um vazio de quem espera da vida um constante espetáculo gritante quando, na verdade, o que ela mais oferece são maravilhas discretas que só aproveita quem é sagaz.

Um remédio para essa carência do extraordinário é fabricá-lo. Ter a coragem de desfrutar da simplicidade, das pequenas conquistas, dos curtos passos como o que eles realmente são: mais um grão para a galinha encher o papo. Um novo motivo para sustentar o sorriso e intimidar os incômodos. Saborear o famoso carpe diem.

Prove para si que o pacato não é sinônimo de tédio. Se a maré baixa não dá espaço para surfar em ondas mirabolantes, é sua chance de deitar na prancha para sentir a brisa, escutar o mar e admirar a paisagem. Enquanto o fantástico não vem, há muito espaço para viver intensamente o simples. Afinal, o ordinário também faz história, algumas, aliás, muito boas!