O casamento arranjado

Ela era jovem, Ele também. Estavam namorando fazia pouco mais de um ano e meio e já pensavam em morar juntos. Casar? Não, casar não. Isso é coisa de gente antiga. Sabe como é, escolher a igreja, pagar o padre e o pastor(não eram da mesma religião), contratar buffet, fazer a festa, convidar os parentes (que só aparecem em batizado, velório e festa de casamento), comprar o vestido de noiva, o terno... Ufa! Não queriam algo tão complicado assim e, tampouco, não queriam gastar tanto dinheiro.

Dessa forma, decidiram fazer uma pequena reunião na casa de um amigo em comum, chamar apenas os familiares mais próximos (entende-se como familiares mais próximos os pais de ambos), comprar uns salgadinhos, um bolo de confeitaria e pronto! Estaria dada a notícia de que, no dia seguinte, já estariam morando no apartamento que ambos alugaram no bairro universitário, a preço de banana. Avisaram os pais da decisão e assim tudo ficou esclarecido.

No dia seguinte, combinaram que cada um iria se encontrar com seus amigos: Ela, com as amigas de infância e Ele, com os companheiros inseparáveis do futebol. Mesmo não sendo um casamento propriamente dito, Ela queria uma vestimenta toda especial, repleta de indumentárias, um colar de pérolas, brincos com filetes de ouro e cravado de diamantes. Um colírio para o amado; Ele, com os amigos, velhos conhecidos, estavam em ronda na cidade à procura de algum divertimento, próprio para os homens e impróprio para as mulheres.

Os pais e o amigo em comum, na calmaria do lar, arrumavam todos os preparativos: Uma bela toalha branca na mesa, um arranjo de flores na entrada da casa, alguns buquês de rosa espalhados pela sala. Na mesa, podiam-se ver talheres de finíssima prata, taças de cristais e um jogo de jantar em cujas bordas se encontravam alguns desenhos artesanais de flores e um filete dourado que cobria toda a volta dos pratos. Era antigo, mas ainda conservado pela mãe da “noiva”. Salgadinhos? Que nada! Haveria um jantar digno de uma festa de casamento, com direito a entrada, antepasto, prato principal e todas essas frescuras que comumente chamados de comida.

Às dezoito horas, o romântico casal havia combinado de se encontrar diante da casa para juntos entrarem, sentarem, darem os cumprimentos aos convidados (apenas cinco) e iniciarem o jantar. Para que a célebre cerimônia não passasse despercebida, os pais do rapaz pediram a um irmão da comunidade religiosa a qual pertenciam que fosse à casa e fizesse uma oração, pedindo a Deus pelo amor de ambos. O mesmo fez a família da moça, que convidou um dos ministros da Eucaristia de sua comunidade para dar a bênção aos pombinhos. Este, ainda que a contragosto, aceitou a intimação dos religiosos pais.

No horário combinado todos se encontravam na casa transformada em salão de festas: os pais dEla e dEle, o amigo em comum, o irmão da igreja e o ministro da Eucaristia que, além de contrariado, ansiava para ver a chegada do casal e para poder comer, pois o pobre estava morrendo de fome. Com pouco tempo de atraso, chega a linda moça, que mais parecia uma daquelas atrizes que estamos acostumados a assistir na novela das oito. Duas horas depois, enquanto todos ansiavam pela presença do noivo, este chega, maltrapilho, trazendo nas mãos um embrulho de padaria que havia encomendado no início do dia. Ele entrou, pediu ao amigo que guardasse o embrulho que continha o “bolo de casamento” e sentou-se à mesa, da mesma forma como estava, sem ao menos trocar de roupa para a esperada cerimônia.

Após alguns minutos de discussão entre o jovem casal (Ela vivia reclamando de como Ele era relaxado) todos se apaziguaram, rezaram um Pai-Nosso, leram um trecho da Sagrada Escritura e tentaram iniciar o jantar. Isso mesmo, tentaram, pois não havia nada para comer (nem os salgadinhos), a não ser o bolo de padaria encomendado pela manhã. Todos estavam tão atarefados com os compromissos do “casamento” que sequer lembraram-se da preparação da comida. Resolveram, então, ligar em um desses “disque-pizzas” para que a celebrada noite não passasse em branco e para que o abençoado ministro de Eucaristia não morresse de fome...

Ah, sim, você deve estar se perguntando sobre a união solene dos apaixonados... Pois então, ela foi adiada para uma data posterior, em um local secreto, onde somente Ela e Ele sabiam onde aconteceria a celebração e a lua de mel, e onde os convidados seriam apenas Ele, Ela e a cama onde o casal, após a sua copulação, iriam adormecer eternamente apaixonados.