Jira foi aos poucos tomando todas as atenções da casa. Era o xodó da família. No gramado em frente à casa, os canteiros já não eram tão floridos. Nossa flor maior passeava por eles, deixando um  rastro de destruição onde passasse. Mas, até mesmo isso era perdoado. Como não aceitar as peraltices de uma filha récem-adotada... Quanto aos empregados da casa pairava uma unanimidade. Jira era persona nom grata. Mas, estávamos sempre por perto para aparar as arestas nesse conturbado relacionamento.
        Logo Jira aprendeu onde eram guardadas as batatas. Tornou-se para ela uma questão de honra enfrentar os empregados para ter como prêmio uma batata doce, sua iguaria preferida. Quase sempre se seguia uma reclamação que preferíamos não escutar.
        Mas, o pior estava por vir. Apesar de ter uma vida de rainha, Jira tinha alma cigana e sempre fazia das suas. Sempre que encontrava o portão aberto, ela corria para a liberdade. Desnecessário dizer, que as fugas de Jira eram acompanhadas dos choros dos meninos desesperados com a ausência da irmã mais nova. À cada fuga se seguia uma busca. Por vezes tinhamos que colocar anúncios nos jornais e rádios. Geralmente íamos encontrar Jira num depósito da prefeitura. Paga a multa, lá voltávamos nós. A família estava novamente completa. Para nossa alegria  e tristeza dos vizinhos e empregados.
   Bem, um dia Jira foi além dos limites de suas fugas. Em vão nossa luta para recuperá-la. Os meninos não se continham e nos cobravam a presença de Jira. Com o passar dos dias, a fuga de Jira tomou proporções enormes. Muitos amigos se juntaram a nós à procura de Jira.  Nossa angústia foi aumentando depois de cinco longos dias de palpites furados, de idas e vindas ao depósito da prefeitura. Já estávamos exaustos da procura.
    Mas, eis que passando por uma rua central da cidade, vejo num quintal de uma casinha, uma jumenta. Na mesma hora pensei, Jira. Telefonei ao meu marido que prontamente abandonou a aula e veio ter comigo para enfrentarmos o resgate de Jira.
   Batemos palma em frente à casa. Era uma casa modesta. Logo um senhor nos atendeu e falamos que aquela jumenta era nossa filha . O homem exaltado respondeu. Não senhor, essa jumenta é minha. Trabalho com ela na carroça. Ao lado da casa uma carroça reafirmava o que ele estava dizendo. Bem, depois de um bate-boca resolvemos "comprar" a jumenta ao homemzinho que prontamente aceitou o cheque polpudo com um adeuzinho à porta. Amarramos Jira no para-choque do carro e voltamos triunfantes, loucos para contar aos meninos nosso precioso achado.
   Ao chegar em casa, as descobertas foram acontecendo. Jira estava ferida no rosto e no lombo. Mas, cade a alegria de Jira... Cade o carinho pela família... Cade a procura por batatas...
   Á essa altura começamos a questionar. Jira mudou tanto assim em tão poucos dias... Uma dúvida cruel começou a nos assaltar. E se o homem estivesse certo e essa jumenta não fosse nossa filha...
   Continuem lendo os próximos capitulos.