Mulheres e homens, vítimas e beneficiados

Há um discurso muito forte que diz que as mulheres são as vítimas de nossa sociedade machista enquanto que os homens, dominantes e no topo dessa sociedade, seriam os beneficiados. E o discurso é simples assim, à base do 8 ou 80. Vítimas e Beneficiados, só.

Recentemente li em um artigo a seguinte metáfora em muito consoante com esse discurso: a igualdade entre homens e mulheres pode ser pensada como uma torta de oito pedaços, da qual os homens detêm sete e as mulheres apenas um dos pedaços – e que dar mais para um é necessariamente tirar um pedaço do outro.

Bem, uma olhadela por cima já é o suficiente para desconfiar dessa simplicidade toda. Funciona mesmo assim? Na legítima militância feminina, não tenha dúvidas; na teoria, quem sabe; na prática, bem, certamente que não.

Para me resguardar da alcunha de reacionário, explico que tenho consciência da desigualdade entre os gêneros e sou completamente contrário a ela. Mas como tudo que é humano e social e terreno, deve ser muito bem pontuada para captar suas dinâmicas. Ainda mais se se pretende uma abordagem mais real e menos extremista.

Voltando então às vitimas e aos beneficiados, e através de um exemplo corriqueiro.

Aqui em minha cidade não temos semáforos. O que não é problema algum para os carros, que gozam das placas de preferencial. O problema fica para os pedestres. Esses, nos horários de pico, só atravessam a rua se os motoristas respeitarem a faixa de pedestres. E anualmente a polícia daqui obriga o exercício dessa gentileza sob pena de multas. Mas é claro que esse exercícios tem pouca durabilidade e daí sua necessária repetição anual.

Então, lá estava eu esperando para atravessar a rua. Meio-dia, pessoas indo para suas casas ou para restaurantes, todos atrás de comida. Esfomeados e com algo de stress. E eu querendo atravessar a rua. E ninguém parava, claro. Eis que surge, do outro lado da rua que eu pretendia cruzar, uma atendente de farmácia – seu uniforme denunciava.

Era do tipo baixinha, com rosto de boneca, e longos cabelos castanho-claro. Aqueles olhinhos brilhantes e a boca viva chamavam a atenção. E quanto a outros detalhes, bem, digamos que apesar de baixinha se enquadrava harmonicamente dentro dos parâmetros de beleza de nossa sociedade esteticista.

Quem acha que eu só consegui atravessar quando ela atravessou, acertou em cheio. Os motoristas, tão logo a notaram, puserem o pé no freio e até descolaram a mão do volante fazendo aquele sinalzinho do 'pode ir, meu bem'. E ela? Até sorriu. Sorriso de triunfo, suponho. Na certa gozando também da minha cara pasma, barbuda e profundamente desapontada com a ordem social das coisas, ali do outro lado da rua.

E não é de hoje que cenas assim se repetem. Já estou até pegando o jeito. Antes de atravessar a rua me aproximo de alguma mulher bonita qualquer. Às vezes, isso assusta – a mulher bonita, claro. Mas é eficiente.

O exemplo é bobo todavia extremamente representativo do que pretendo dizer. A desigualdade de gêneros é algo difícil de resumir a tortas e seus pedaços. É mais como um jogo (ainda)inevitável onde há quem saiba jogar de ambos os lados. Daí que se as mulheres sabem, elas podem conseguir vantagens, ao passo que se os homens não souberem, eles é que vão pagar alguns patos. E tanto situações cômicas quanto trágicas revelam isso, para lá ou para cá.

E nem esses benefícios são fixos ou absolutos, nem totalmente compensadores. A questão é muito mais intrincada e fluida. Exige decomposições em camadas, pede por análises mais atentas aos detalhes e, por que não, à subjetividade dos sujeitos.

Seja como for, fica um ensinamento para o manual de sobrevivência em centros urbanos médios: atravesse a rua somente ao lado de uma mulher que garanta que os carros vão de fato dar passagem. Sua saúde agradece.