A hospedeira

Chegando em Toronto, fui me hospedar na casa de uma Filipina. Beirando os 60 anos, com um sotaque ainda forte, aquela era uma mulher super atenciosa. Dizia que eu podia chamá-la de tia ou só de Helen, mas confessava preferir a primeira opção porque “assim eu me sinto mais nova”.

Perguntava o tempo todo se eu queria comer, beber, cochilar, caminhar pela vizinhança. Mas tinha memória curta. Acho que escutei pelo menos uma vez por dia ela me questionar se tenho namorado; se tenho namorado aqui em Toronto; se tenho namorado lá no Brasil; se sou casada, então. A conclusão era sempre que ela precisava me apresentar a seu filho, dizendo que ele é lindo. Mas se eu perguntasse se ele é solteiro, ela dizia “não... porém, nunca se sabe o dia de amanhã”.

Helen veio ao Canadá no século passado, quando tinha 23 anos, logo depois de casar. Acaba de superar um câncer de mama. E só agora, com a hipoteca da casa quase toda quitada, alega ter dinheiro sobrando para curtir por aí e dar aos filhos os luxos que não pôde pagar na infância. Foi há pouco tempo, aliás, que ela financiou a viagem dos marmanjos até a Disney, “para tirar o peso da minha consciência por eles nunca terem se divertido lá quando crianças”, disse.

E foi ela que me recebeu...não de braços abertos, porque abraços não são tão comuns por aqui... mas com uma cama maravilhosa, travesseiros divinos e uma casa linda no subúrbio. Um grande alívio após 14 horas nas poltronas “classe econômica” de um avião.

O bairro era muito aconchegante. Por todo lado, jardins bem cuidados, carros de luxo, lixeiras que separam material orgânico do reciclável, esquilos brincando nas árvores, e vizinhos se cumprimentando quando se flagravam no jardim pegando o jornal da manhã. Tudo calmo e limpo.

Ali, eu podia aproveitar dias tranquilos. Até porque não conseguia dormir até mais tarde. Junto com o sol nascente vinha a voz de Helen chamando para o café da manhã. Panquecas, bolinhos, chocolate quente com mini-marshmallows, bacon e ovos.

E quando batia nela a preguiça de preparar esses banquetes, Helen me carregava para uma caminhada lenta e simpática até o Tim Hortons – mais popular que a Starbucks por aqui. Lá, ela me fez experimentar bagel com pasta de amendoim e geleia de morango. Surpreendentemente delicioso.

Em nosso último dia juntas, a novidade foi café da manhã em um pequeno restaurante chinês, onde comemos pãezinhos suculentos e eu bebi pela primeira vez um bubble tea. No caminho para casa, ela me convenceu a jogarmos na loteria. Helen disse que não podíamos deixar passar essa chance. “Afinal, estão sorteando 50 milhões de dólares!” Depois, ela me prometeu: “Se eu ganhar, vou lembrar de dar um tantinho a você”.