Carpete na casa inteira

Você olha pela fresta da janela. A fresta entre a janela e a veneziana. Sabe que está em algum momento entre as nove da manhã e o meio dia. Vira-se para o outro lado, o lado da porta. Ela está entreaberta. Mais luz. E barulho de água caindo da pia. Procura o relógio. Onde diabo eu deixei esse relógio? A luz do corredor se acende. A porta se abre devagar. Ela aparece com a toalha enrolada ao corpo. Você finge dormir e a olha por entre cílios.

- Roberta.

- Fernando.

E depois o beijo. Geralmente é melhor assim. Dá menos trabalho ficar olhando, quando muito meneando a cabeça com o copo de uísque numa das mãos. Quando você dá sorte, pega alguém que não liga de dar na primeira noite. Quando dá azar, também.

Ricardo, ela disse. – Ricardo, você precisa acordar, já está tarde. Você simula algum susto. Ela sorri. Essas moças sem maquiagem geralmente são feias. A culpa foi da bebida. A lembrança de que não conseguiu segurar a ereção aparece junto à dor de cabeça. É Fernando. Você sabe que horas são? Onde está a porra do relógio, você pensa. Tá tarde. São quase oito. Oito? Mas nós chegamos às cinco? Quinze pra cinco, ela corrige.

Vamos, você precisa se arrumar. Tenho compromisso no centro. Roberta. Você lembra do nome porque é o mesmo de sua última mulher. Roberta, você balbucia. Será que você tem aspirina, alguma coisa assim?

O comprimido desce junto a um suco de laranja desses de caixinha. Você pensa na praia de sua infância e nos conselhos que seu pai te deu sobre a carreira de jornalista. As camisinhas estão no chão. Carpete no quarto inteiro. Você viu meu relógio?

Um gato passa mansamente pela entrada do quarto. Eu não lembro de ter visto esse gato ontem. Roberta tem bichos de pelúcia espalhados por estantes empoeiradas. E um apartamento barulhento. Copacabana. Segundo andar na Santa Clara.

Você duvida que vá conseguir achar o paletó em bom estado depois de tudo. E sabe que terá um péssimo dia pela frente. Roberta é amiga da Letícia. A Letícia sim é uma delícia. Você lamenta entre lábios. Mulheres não perdoam brochadas.

Não, obrigado. Se aceitasse o pedaço do bolo provavelmente vomitaria. Água no copo de requeijão. O relógio deve ter ficado no táxi. Porra, eu adorava aquele relógio. Roberta tinha material de propaganda da firma onde trabalhava por todo canto. Cds de música baiana. O gato não parava de olhar. Você não gosta de gatos. Como me despeço dela? Um beijo na testa, na bochecha. Um abraço. É isso. Um abraço.

Dá tempo de tomar café na padaria. Dois dedos de leite num copo cheio de café escuro. Você se incomoda de pegar mais uma aspirina? Roberta tem péssimo gosto para calça jeans. Você confere as horas no celular. Nariz trancado. Carpete na casa inteira. Vida pela metade.