O Funerário Adivinhão!

Residi parte de minha juventude em Independência, uma pequena cidade do noroeste do Rio Grande do Sul. É uma cidade diferente. Lá a população, ao invés de aumentar, diminui. No censo de 1970 o município tinha 9.970 habitantes, em 2001 tinha 7.287, em 2007 contava com apenas 6.679 e atualmente são 6.715 moradores. Como fica evidente, a população diminui gradativamente no andar da carruagem do tempo...

E vá explicar o porquê de a população diminuir dessa maneira... Uns diziam que o povo morria mesmo antes da hora. De tanto que morriam. Quando dava caso de morte, logo se ouvia o grito:

- Mas, bah tchê! Que "cosa" terrível essa, de morrer antes da hora!

E de morte em morte, a população ia diminuindo...

Falar em diminuição da população... na época em que lá residi, a cidade tinha uma única funerária. E o dono (que já morreu) era o portador de uma particularidade prá lá de excepcional: sempre tinha um caixão na medida exata do vivente morto. Era incrível. O taura morria, a família procurava a funerária e lá vinha o homem com o caixão perfeito para o defunto.

Isso era uma comentação pela cidade que dava dó. Os "Schustas"* de plantão inventavam mil e uma histórias sobre como o homem ficava sabendo o tamanho do morto antes mesmo do bendito morrer.

- Mas bah, tchê, me fale home, como é que pode o taura adivinhar o tamanho do defunto desse jeito? berrava o Seu Pitássio para o vizinho Seu Derço.

No bar da Dona Nika o assunto virou um bafafá sem fim:

- Eita, que o gaudério adivinhou mais uma Dona Nika. Onde é que já se viu uma "cosa" dessas, vizinha? O home sabe certinho o tamanho dos defunto!

- Pois é, Seu Zuza, vai lá se saber de onde o vivente fica sabendo essas coisas, dizia Dona Nika, meio desconfiada que o funerário tinha mesmo era um pacto com o demo.

No mais, ele era um índio normal. Ia na missa todos domingos, "schusteava" diariamente pela cidade prá saber as novidades e tinha o costume - por caridade - de visitar os doentes no hospital.

Só tem um hospital na cidade e nem sempre tinha internados. Mas, quando tinha, todo mundo ficava sabendo, pois a cidade é pequena e as notícias vazam que nem goteira no telhado. Uma atrás da outra. É uma coisa de loko!

Dizem que quando o agente funerário sabia que tinha um malexo internado, compadecido da alma em sofrimento, fazia uma visita.

A família, agradecida, pedia se podia contar com os serviços da funerária caso o moribundo resolvesse passar dessa para melhor. O homem, solidário, afirmava que podiam contar com ele para o que desse e viesse. E se espantava:

- Mas que barbaridade vizinha! Onde já se viu perguntar. Claro que pode contar. Nem que seja caso de morte! dizia solidário.

E a morte sempre vinha, a danada. E lá se ia a família para a funerária, que por incrível que pareça, apesar de só ter um ou dois caixões escorados pelas paredes, sempre tinha um sob medida para o falecido.

O que ninguém sabia é que quando o vivente visitava o hospital, percorria com os dedos o corpo do moribundo pregado na malfadada cama. Feita a medição, corria confeccionar o caixão.

Foi um deus-nos-acuda na cidade quando a notícia se espalhou.

E o número de mortes aumentou consideravelmente. É que quando um deles recebia a visita do agourento, e sentia os dedos do vivente percorrendo a pele, sabia que o estado era grave e morria de susto, o coitado... mesmo sendo antes da hora!

* Veja a minha crônica "Schusta".

Maria
Enviado por Maria em 17/08/2011
Reeditado em 19/08/2011
Código do texto: T3166491