Eu sobrevivi a um pé na bunda

Happy hour aqui na serra é assim: saída rápida do trabalho e um pulinho na padaria. Pão com manteiga e um café ou então um refresco com salgado, de preferência assado. Lá no Rio de Janeiro há tempo para sentar e tomar cervejas. Tranquilos, nem mesmo as esposas ligam para lembrar do pão e leite. Enfim, por aqui o tempo é suficiente para comentar algo do dia e agendar algo para o final de semana, ou contar uma ou outra historinha para abafar o vazio de se trabalhar num escritório.

No meio do caminho há um esquina muito agitada. Os carros não costumam respeitar nem a obrigatoriedade de ligar a seta indicadora, quanto menos reduzir a velocidade. Há uma pastelaria de chineses e uma loja de bijuterias baratas. Nesta calçada há também um ponto de ônibus.

... na esquina há uma rampa de cadeirantes que ninguém respeita, e nesta noite um casal bonito protagonizou a cena mais desrespeitosa do ano: o pé na bunda na rampa.

A moça era muito bonita. Clarinha, com olhos cor de mel e cabelos castanhos um pouco acima dos ombros. O cara era da minha altura e boa pinta também. Encaravam-se, um pouco sérios. Parecia casal conversando sobre alguma coisa trivial do relacionamento. Para quem é casado há mais de um ano parece coisa banal, pois até o bom dia já tem certa cara de desânimo.

E a ouço dizer bem firme: "nunca mais me procure".

Aquilo me deixou maluco. Só quem já tomou um pé na bunda com categoria sabe o que é aquilo. É a frase que transforma qualquer um em um merda de quinta, é o supra-sumo do enojamento, do pouco caso, da insignificância.

Ao que o bonitão diz: "eu nunca vou esquecer você".

Pelo amor de Deus rapaz! aos 46 do segundo tempo e você me sai com essa? toma jeito nessa tua vida, seu sem-vergonha!

Pois é, mas sabiam que eu já fui assim? então, arrotando manteiga e suco de maracujá subi os elevadores pensando nesse trecho de conversa na esquina do chinês aqui em Teresópolis. Ainda ouviria a moça dizer em todas as letras que tudo estava acabado e que ela não desejava mais ver o cara nem pintado a ouro. Era o fim de tudo.

E o cara não se dava por vencido.

Falar sobre isso hoje em dia é fácil, quando se está num relacionamento duradouro, um casamento estável e já acostumado às rotinas conjugais. Com o tempo o amor deixa de ser aquele sentimento de dependência e torna-se uma parceria, uma liberdade de agir, e o compromisso ganha um outro plano de fundo que não mais aquele de ceninhas de ciúme e agrados fugazes. Falar de fora da relação é mais fácil, mas todo mundo já teve o seu momento de desespero, de humilhação, de sentimento de que aquela pessoa seria a última coisa a acontecer no mundo.

Fiquei pensando no dia em que tomei um pé na bunda neste estilo. Ouvi e reagi como esta noite. A única coisa que gostaria que não ocorresse comigo seria ter tornado-me, também, inspiração para uma crônica ridícula na internet.