A boa morte

Que me perdoem os escandalizados, mas eu sou a favor da eutanásia. Não de um jeito irresponsável, tipo “casa da mãe Joana”, em que qualquer parentezinho pode determinar que a vida de alguém gravemente enfermo já não vale a pena. Assuntos de tal delicadeza merecem o esforço das autoridades, médicos e familiares em analisar caso a caso, principalmente a fim de decidir se a morte forçada a uma pessoa é a melhor decisão para ela, em vez de somente beneficiar os que estão em volta.

Caso a caso impede que as “vítimas” sejam reduzidas a um número a mais nas estatísticas frias que generalizam tudo. Elas são avaliadas como pessoas, indivíduos em contextos particulares e complexos. Isso combate extremistas que sempre classificam eutanásia como assassinato e desvalorização da vida. Assim como freia a ação do grupo no outro lado da moeda, que interpreta qualquer coma como razão suficiente para desligar os aparelhos na UTI.

A luta de Selva Herbón, na Argentina, para dar uma morte digna a sua filha é uma dessas histórias na qual a eutanásia é a melhor solução. Pelo menos na minha opinião. Problemas no parto deixaram o bebê em um estado vegetativo desde o nascimento. A única forma de vida desta criança, hoje com 2 anos, é em um hospital, com suporte de aparelhos, incapaz de interagir com o mundo. Nada lógico leva a crer que esse quadro pode melhorar. E esperar que uma família passe dias, meses, anos sempre na esperança de um milagre é simplesmente cruel.

Considerar que essa mãe não ama o bebê é de um extremismo irritante. Mais ainda, alegar que manter a menina viva é a vontade de Deus... bom, é subjetivo demais. Quem para ao menos por um instante e se põe no lugar de Selva pode entender sua dor de acompanhar o crescimento de uma filha morta em todos os sentidos, exceto pelo fato de seu corpo existir. Assim como aqueles capazes de se colocarem na pele da pequena menina também devem compreender que não é algo muito feliz.

Ser humano requer ter experiências. Comunicar-se. Agir e reagir ainda que por meios pouco convencionais, se alguma deficiência limita a pessoa. No entanto, ser um corpo que apenas está ali é mera sobrevivência. Sufocante. Mesmo se considerarmos que seu cérebro está em plena atividade de pensamentos, isso significa ter uma alma presa, incapaz de transmitir ao meio suas vontades, inclusive o desejo de se libertar.

Levante a mão quem, em sã consciência, optaria por manter-se vivo se estivesse limitado a um estado vegetativo. Em quadros reversíveis, ao menos é um sacrifício compensado com avanços no futuro, quando você pode retomar seu lugar no mundo plena ou parcialmente. Ainda assim, muita gente escolheria a morte a viver freado por muitas deficiências. Mas duvido que seja fácil encontrar alguém que aceitaria ser um corpo no leito de um hospital, sem chance de melhoras, até que Deus resolva lhe tirar dali. Se há, parabéns. Este é um indivíduo de força incrível. Mas exigir isso dos outros é demais para mim.