Experiências de quase-vida

Experiências de quase-vida

Pereira Filho

21.08.2011

A primeira vez que provei da morte foi em 1989. Era pré-adolescente. Na minha imaginação, nas minhas lembranças remotas era um domingo, porém verificando o calendário era um dia de semana. Fomos surpreendidos por um tio que batia à porta de nossa casa para dar a notícia. Era bem cedo, talvez seis da manhã. Perdia um tio vitimado pela leucemia, aos trinta e cinco anos, ainda jovem, vigoroso. Minha mãe chorava muito.

Nove meses depois perdia meu avô materno. Câncer no estômago. Morte esperada. Novamente a morte vem acompanhada pelo choro de minha mãe, subindo as escadas com os olhos marejados e olhar solitário. Uma família grande começava a se desfazer. Lei da vida, as gerações se renovam.

“A maior de minha sorte é não precisar chorar a própria morte”. Li ou ouvi em algum lugar mas não recordo do autor. É um anônimo, caminhante como eu.

É que por mais que você queira, não é fácil associar morte e vida. Difícil ainda é chamá-la de amiga. Como posso ter amizade com alguém que cortará definitivamente todas as minhas possibilidades de felicidade? E a esperança que tenho, não vou ter com o objeto que a alimentava? Pra quê então tudo isso, se chegou a hora de partir?

Khalil Gibran escreveu, no seu O Profeta:

“É somente quando beberdes do rio do silêncio que podereis realmente cantar.

É somente quando atingirdes o cume da montanha que começareis a subir.

É quando a terra reivindicar vossos membros que podereis verdadeiramente dançar”

Há, ainda, aqueles que dizem que as luzes se apagarão e nada mais acontecerá. Fim.

As religiões nos ensinam sobre a vida eterna, com a recompensa e a danação. Tanto faz se a danação seja um lugar sombrio e com choro e ranger de dentes ou o retorno a um corpo material fadado ao fracasso e ao pagamento das penas pelo crime anterior. Tanto faz, mas ninguém nunca voltou para nos contar sobre isso. O amor de Deus não faz tanta diferença para o crente, pois o medo dele é encontrar-se com o rabudo, com o capeta, Satanás. Mistérios que afastam a pessoa da vida. Desta vida, diga-se de passagem. Vive-se mal uma vida com vistas à possibilidade de uma outra.

E tanta gente que já não acredita na vida antes da morte.

Enfim, a vida é tudo o que nós temos. Passa tão rápido, as horas voam. A pele de nossos filhos vai endurecendo, arranhando nossas mãos. As antigas lojas fecham e dão lugar a novos designs, novas cores, novas roupas. A humanidade é o discurso de Deus, disse Santo Agostinho. Enquanto Deus fala os homens se vão. Vamos todos.

Mas eu sofro de uma doença crônica, que é uma inveja tremenda das gerações seguintes.

Falar sobre a morte - e sobre o medo dela - não é, para mim, motivo de desânimo ou angústia. O título deste texto foi mudado agora, tendo em vista que o avesso da vida surge destes momentos de crise, quando os nossos fundamentos são expostos e assim podemos reconstruir, saindo melhor dela. É questão de raspar a fachada e pintá-la novamente, de forma a ficar conforme o projeto original, tão desgastado com o tempo.