Viajante

Wilson Correia

Nascer e morrer é isto: destino. Vida vai de uma ponta à outra. Com justiça e com liberdade, melhora muito a nossa conta.

Essa vida é movimento e ação. O movimento de ir. A ação de sempre partir. Sem a vontade de fixidez. Sem a exatidão de um lugar.

A gênese foi assim. Começo úmido. Aquoso. Mas com cronograma estabelecido. Aos nove meses, “Adiante, você tem que estar parido”.

A ordem era clara e certeira: “Aqui você não pode permanecer. Olhe um palmo à frente de você. Note toda uma estrada e toda uma existência a percorrer”.

Do útero fomos arremessados ao mundo das ideias platônico, que inverteu nosso trajeto: “A alma é do plano do eterno; o corpo é que é efêmero e passageiro”.

Agostinho também entrou nessa trilha. “Fujamos da cidade terrosa, esse mundo dos poderes imperfeitos, e tornemos à via para o celeste, a cidade do eterno”.

Estaria Agostinho reinvertendo a trajetória proposta por Platão? Sobre isso temos que pensar, e muito. Quem garante que ele não cunha outra teoria?

Para além da co-fusão do eterno retorno, Nietzsche traz o humano a si: “A viagem ganha outro nome: é sair da condição de ovelha e alçar-se a super-homem”.

Gnealogicamente exilado e desterrado, o humano é um sem-lugar e tem que admitir: não estando nem lá nem cá, é nele próprio que tem que se redimir.

Viver a vontade de viajar, da semente germinal, que é, à metafísica estelar. Fazer do seu eu o próprio barco. Pisar o globo, adotando o sedentarismo nômade.

Isso de estar em si no mundo, mas sempre nômade sedento. Fazer-se passageiro para abalar pilastras, estruturas de saber e esquemas intricados de poder.

Encontrar-se com judeus, ciganos, gitanos, boêmios, zíngaros, viajantes mais, passageiros cuja humanidade é encontrada no coração alheio.