A odisseia de morar sozinho

Mais cedo ou mais tarde, todo mundo vive essa sensação agridoce de abrir as asas, cortar o cordão umbilical... sair da casa dos pais! Tenha você dado este passo devido a expulsão, rebeldia, impulsividade, casamento ou qualquer outro motivo de força maior, seja para viver sozinho ou com roommates, a experiência é uma louca montanha russa. E se é para escolher um ditado popular que resuma bem essa odisseia, eis que vos digo em tom misterioso de voz do além: há sempre os dois lados da moeda.

Minha jornada de morar sozinha começou em 2006. Era tudo o que eu mais queria, criar minhas próprias regras, ser dona do meu nariz! Mas assim que minha mãe foi embora, quando me flagrei naquele apartamento estranho, eu me senti a criatura mais perdida do mundo. Naquela noite, dormi agarrada em um bicho de pelúcia, encolhida como um filhote ameaçado.

No entanto, sair da casa dos pais é mais do que perder a rede de segurança. Significa cortar da rotina algo que esteve contigo desde nascimento. Você treinou durante uma vida a aceitar as manias e defeitinhos deles, mas, se está ganhando um novo parceiro de lar, forçosamente haverá que se adaptar a diferentes rituais, outros cabelos no box do banheiro, outros pratos sujos na pia, outros humores pela manhã.

Um ciclo de metamorfoses ocorre. Você e o roommate reclamam um do outro e torcem para ver resultados. Seja marido/esposa, melhor amigo ou um desconhecido dividindo o espaço contigo, o processo é como ser apresentado a uma nova pessoa – porque a versão pública de alguém sempre difere bastante do lado sem maquiagem, que mija, ronca, é cheio de vontades e chiliques, enfim, se sente em casa.

O outro lado da moeda é quando você e seu companheiro de teto estão se entendendo. Dá para rir das coisas mais inimagináveis, criar um laço incrível de amizade. É se jogar no sofá e poder contar os detalhes mais bobos do seu dia, propor beber uma cerveja e jogar baralho, fazer uma aliança contra o vizinho chato, sair para a noitada e voltar para casa juntos. Cria-se uma nova família.

E se o caso é morar consigo mesmo, corta-se todo o drama de lidar com o outro, verdade. Você é livre para cantar, andar pelado, até mesmo ser meio porco. É possível ser integralmente você, sem censura. Entretanto, é preciso aprender a curtir a própria presença incessante. Abrir a porta para dizer oi a ninguém pode ser muitas vezes aliviante, mas inevitavelmente traz sua parcela de solidão.

Em carreira solo ou acompanhado, sair debaixo das asas dos pais também te faz entender muitos dos surtos que eles tinham e você os respeita mais. Afinal, descobre-se que a poeira volta para os móveis na velocidade da luz, a louça nunca se lava sozinha, saco de lixo precisa ser trocado e, principalmente, você aprende que quase nada é de graça. Supermercado é uma facada, eletricidade custa uma loucura, internet, telefone e TV a cabo são sim fator de luxo!

Os dois lados da moeda são riquíssimos. Renderiam um livro de exemplos. Mas o resumo é um só: uma vez fora da casa dos pais, (quase) todo mundo só cogita voltar para lá por falência ou com status de visitante. Ainda que morar sozinho (ou com roommates) tenha seus elementos traumatizantes, e por mais que sua família te paparique, vale a pena ter um canto para chamar de seu, esse lugar onde você é forçado a se virar com os perrengues e trazer para si a responsabilidade de manter em pé seu próprio doce lar.