SE NÃO ME FALHA A MEMÓRIA... / 3

SE NÃO ME FALHA A MEMÓRIA / parte 3

"Quem caminha descalço não deve

semear espinhos -- G. HERBERT

"Quem não raciocina é um fanático; quem não

sabe raciocionar é um imbecil e quem não ousa

raciocinar é um escravo". -- W BRUMON

(citados por ALBERTO MONTALVÃO, in

"Moderna Enciclopédia de Relações Humanas",

1979/SP, Novo Brasil Edit.)

Um desses "sargentos Garcia" eternamente preocupados com os ZORROs da Vida -- a lutarem solitários contra cretinos e injustiças -- critica indiretamente meus textos, ao escrever que tem gente "que vive olhando apenas o próprio umbigo". Caminho descalço sim, mas se tiver que apontar patifes e ladrões, piso com gosto nos "espinhos' que espalho durante a jornada. A quem perguntar o porquê de tais Memórias, esclareço que sempre foi minha intenção contar ao menos um pouco de tudo o que já passamos neste "Pará-íso"... se outros mais viveram tais aborrecimentos E SILENCIARAM, isso pouco me importa.

Considerando que, das minhas quase 59 primaveras, 28 ANOS foram vividos nesta região, tenho muito o que contar... e nem comecei ainda. Aqui engole-se "elefantes", não apenas "sapos" e meu relato pode servir como ALERTA aos que estão chegando e aos que ainda hão de vir.

Todavia, eu "nem saí" do Rio de Janeiro... não posso deixar de comentar uma série enorme de "micos" que vivi em algumas das empresas relacionadas no final do "capítulo" anterior. As boutiques ficavam todas próximas, dentro de Galerias unidas, lado a lado. Na Calçados Só Crianças, de 2 irmãos que não se entendiam nunca, saí de servente para estoquista e vendedor em menos de 2 meses... um dia me ouviram "argumentar" para a cliente que sapato marrom (havana, na época) era mais bonito do que preto e voltei a ser estoquista (e servente).

Larguei a loja pouco depois, fiquei uns 3 ou 4 dias na Lelé da Cuca (com serviço demais) e "pulei" para a Galeria anexa, a Menescal. Entrei na Lúcia Modas somente para pagar os muitos pecados que eu já tinha. A gerente era uma megera nordestina ruim de doer, examinava o vaso sanitário e os vidros que eu limpava e só "vivia no meu pé". Mas o emprego era perto de casa e fui ficando! Na hora do almoço tinha que andar mais de 1 quilômetro, todos os dias, para levar uma marmita para madame Louba, a dona da boutique, polonesa com juba de leão e ar de doida, mistura de Úrsula Andress com a esquelética Veruskha (ou Twiggy), pele vermelha de tanto se bronzear com luz artificial.

O marido mais parecia um mordomo, atendia-lhe todos os caprichos e não dava um pio. Quando pintaram o chão da loja com tinta a óleo branca, aleguei alergia e pedi demissão. Sempre que passava em frente à Lúcia Modas sentia vontade de dar uns tapas na minha "carrasca", dona Maria José. Como dizem (pros filhos) os pais pobres: "vontade é coisa que dá e passa".

Dos demais empregos não há muito o que falar, na Cavalcanti Junqueira me demitiram "porque eu cuspira na pia da cozinha" do refeitório. "É menas vredádi!", diria um certo Luís Inácio. Apenas enchi as mãos com água (depois do almoço "de marmita"), sorvi e bochechei, mas uma antiga funcionária quase aposentada -- a empresa não tinha verba para a rescisão dela -- achou aquilo um nojo e exigiu (?!) a minha demissão sumária.

Na época em que fui convocado para servir o Exército (fev./1976) eu estava na sede da Embratel/Rio como servidor temporário, mais uma vez graças à Partime (ou Snelling?). Com coronéis em todos os andares e seções, este teria sido o melhor emprego de minha vida, cafezinho e chocolate grátis no prédio inteiro -- mediante fichas, que viravam "moeda" de aposta na "porrinha", jôgo de adivinhação -- e lauto lanche às 10 e 15 horas... um paraíso!

Infelizmente não pude voltar à Empresa, fôra "defenestrado" do Exército 48 horas antes da Baixa geral, por pura vingança do Comando a um recruta rebarbado e aloprado. Quando esse país fôr mesmo uma Democracia -- nas minhas próximas encarnações -- poderei contar a experiência absurda que foram os 8 ou 9 meses naquele "internato idiota", onde não aprendi praticamente nada (de útil, pelo menos) e no qual dei exatos 3 tiros... com uma "fuzíl" dos tempos da Segunda Guerra mundial.

Depois do Serviço Militar -- e como tinha serviço... não éramos soldados mas, sim, empregados mal pagos -- veio a Mapa Fiscal Editora. O dono, um velhinho elegante e amável, Guilherme Baird, jamais reclamou de mim coisa alguma, nem quando esqueci num ônibus para Petrópolis 2 caríssimos Mapas, entregues no fim de cada ano. Tive que fazer nova viagem! "Seu" Guilherme aguentou firme o "empregado-problema" que botei na firma, meu irmão gêmeo. Na hora do almoço ía tomar banho de mar, na praia do Aterro do Flamengo, e voltava cheio de areia e todo "ruço" devido à água salgada.

Para as entregas, "seu" Guilherme providenciou uma "motinha" Velosolex... o mano passava o tempo livre dando voltas na praça próxima (na Glória) e, por fim, enfiou a cara num poste e quase destruíu a moto, quando foi abalroado por um ônibus, Disse-me que chegou a ver sua "alma" saindo do corpo.

Acho que o maior "mico" na MAPECON nem aconteceu: num sábado qualquer recebi a ordem de arrumar o arquivo no "sótão", junto com uma baiana de olhos verdes e cabelos cor de Coca-Cola, linda de morrer. Passei a noite imaginando "tudo" o que ía fazer com ela na firma, as insinuações, as reações dela, etc e etc. Chegada a oportunidade, não tive coragem nem para dar uma "cantada" na moça e o dia correu sem suceder absolutamente nada.

E de repente "aportei" no melhor Shopping Center da zona sul, recém-construído "depois do Túnel", o seleto Rio-Sul. Comecei no porão da MESBLA, cuidando da entrada/saída de materiais e vendo, vez ou outra, um rapazote negro de nome Jorge que tinha tudo para ser a famosa "Vera Verão", 30 anos depois. Em menos de 3 meses fui promovido para fiscal de loja, vendo atores e atrizes globais a passear (sem seguranças) pelos largos corredores do Rio Sul. Logo depois passaria a vendedor, função que nunca me agradou, mas revistar funcionários toda tarde também não era do meu feitio.

Minha seção, de som para automóveis (como auxiliar) ficava ao lado das roupas femininas e as 2 filhas de uma antiga vendedora visitavam a mãe quase todas as tardes. Eis que um dia a dupla de "cocotas" fez "paredinha" num corredor de blusas de griffe e enfiou numa sacola 2 ou 3, nunca soube ao certo. Conversei com a mãe para convencê-las a devolver... e nada. Comuniquei ao meu ex-chefe de segurança, um "nordestino da gota", severíssimo. Ponderou êle que "era a palavra de um iniciante contra a de uma funcionária exemplar, com quase 10 anos de casa"... venceu a "diplomacia" e eu findei como "dedo-duro" e mentiroso, absolutamente sem mais condições de trabalhar na Empresa. Saí em poucos dias!

Depois da Mesbla, entrei num modesto Banco no centro financeiro do Rio (Pça XV e adjacências), onde diariamente levava Boletos de "aposta" na Bolsa de Valores envovlvendo milhões e milhões, quando a inflação mensal chegava aos 80% e o lucro diário de um investimento poderia render até 5%. Cheguei a levar ao CTD (do Banco Central) boletos de 9 BILHÕES de cruzeiros (em 1981/82), como liquidante de Open, praticamente todos os Fundos do banco na época, ou quase isso. Meu "mico" foi escolher continuar como contínuo, quando a Gerência do Open Market me oferedeu vaga de estágio como operador.

Já dando andamento ao meu projeto de realizar um show de rock, usava e abusava dos telefones do Banco, das máquinas de datiligrafia, papéis, envelopes e tudo o mais. Essa "estória" foi contada em "A Mulher-Maravilha", cujo adendo é "Eu inventei o Rock'n Rio".

Assim que saí do Banco -- que trocara de nome -- entrei no Jornal BALCÃO, ainda modesto em março de 1982, mas uma verdadeira Família, a partir dos donos argentinos, mister John Fletcher, filhos e a esposa brasileira. Em têrmos de salário até lucrei, minha função inicial era a de agenciar anúncios (e cobrar dos clientes já existentes) com direito à comissão, além do salário. Trabalho sem horários, sem exigências, ao som do rock o dia inteiro -- até alta madrugada, nos dias de fechamento da edição -- e, adiante, numa função que eu adorava, revisor de textos e montador/diagramador, sob a supervisão do exímio publicitário Júlio César. Aprendi muito, divertí-me demais, contudo como não parava em lugar algum...

Eis-me, pois, na madrugada de 9 de dezembro de 1983, descendo na Rodoviária de Belém, um "mafuá" horrendo lotado de barracas e camelôs por todos os lados. Mas, isso é uma outra história... cujo "capítulo" vai se chamar "Terra boa é o Pará"!

"NATO" AZEVEDO

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